Quando ela chegava na janela ninguém conseguia saber, mas ela estava
sempre lá: no amanhecer, no anoitecer, na hora do almoço, na hora
da janta. Será que ela não comia? Alimentar-se-ia somente da visão
dos passantes? Da neblina da manhã ou, (quem saberia?) das nuvens gordas
de chuva?
O fato é que ela estava sempre lá, debruçada na janela,
imóvel. Imóvel não, as mãos mexiam. Eram inquietas
e ora estavam juntas, como que rezando, ora estavam ajeitando os cabelos longos
e grisalhos. Nunca sorria. Os olhos distantes em algum ponto das montanhas distantes.
Via-a todos os dias, eu era menina, e aquela rotina dava a certeza de que estava
tudo bem na casa da mulher da janela. Teria ela algum problema? Talvez fosse
paraplégica, ou manca, ou...e eu fazia todo o tipo de conjecturas. Tinha
uma menina, como eu, mas que vivia fora dali, com a avó. E o mistério
era ainda maior para mim.
Um dia, deixei tardar minhas tarefas diárias obrigatórias que
eu tinha em casa e fiquei observando-a discretamente. Ela saía, sim,
da janela. E cheguei a vê-la no jardim, debaixo dos ciprestes que faziam
sombra no caminho da entrada da casa. Ela estava recolhendo as folhas secas
e chegava a se confundir com elas: pálida, descorada, desgrenhada como
os gravetos secos. Então ela tinha pernas e vestido e sapatos...um corpo
completo. Era estranho vê-la assim: inteira. Não parecia a mesma
mulher. Não tinha mais mistério algum. Era como qualquer uma:
feia, esquisita, normal.
Desinteressei-me completamente pela figura da janela. Cresci e fui morar noutra
cidade. Anos mais tarde, quando voltei para minha cidade, perguntei à
minha tia o que era feito da mulher.
-"Está fazendo ano que ela morreu. Um raio caiu-lhe na cabeça.
Sabe que ela ficava sempre na janela, não é? Era a diversão
dela. Não via tv nem visitava ninguém, não lia. Só
ficava na janela matutando. Pois é. Dia de temporal feio. Chuva, vento,
raios, trovões e ela ali. Não deu outra. Puxou raio só
com o olhar. Caiu ali, mesmo. Queimada inteira. Agora quem fica na janela é
a filha dela. Herdou a casa e o costume da mãe. Se quiser pode ir lá
ver. Está lá, agora. Igualzinha.