Carbamazepina, Fluoxetina, Cloridrato de amitriptilina.
Nada disso é demais, porém, nada disso é suficiente para
preencher o vazio da minha sombra refletida no vidro da janela do vizinho da
frente: o perfil de uma pessoa só, com seu cigarro pendurado nos lábios.
Sem mãos, sem olhos. Uma sombra.
A história se repete.
A pretensão de uma mente vazia com mãos e braços prazerosamente
doloridos por segurar sua própria vida.
Não.
A cabeça cheia, cheia. Mãos e braços vazios. Flacidamente
vazios.
Acho que os dedos foram feitos para que as coisas nos escorreguem pelas mãos,
cedo ou tarde.
Queria ter "mãos" de pato.
Meus lábios estão secos e meu corpo vazio.
Meu ventre também está vazio.
Dor.
Tenho neurônios a menos, afinal, o álcool e as crises existenciais
assassinaram meu cérebro.
Ser humano.
Se "ser humano" é um copo vazio junto a um cinzeiro cheio de
bitucas, that's me!
Eu realmente, além de ter "mãos" de pato, gostaria de
seu um inteiro.
É como nos sonhos: a gente se vê correndo em "slowmotion",
olhando para trás, num puta esforço e percebe que quem te persegue
NÃO está em "slowmotion".
É ser caça.
É quando nos sonhos a gente se vê no escuro tentando acender a
luz e não consegue. Tentando gritar e a voz não sai.
Dor.
Já sonhou estar imersa numa piscina, tentar emergir e descobrir que existe
um tampão de vidro sobre a água e por mais que você dê
porrada ele não se quebra?
Sim, isso existe. Eu já passei por isso. Acordada...
Não há saída e não há como respirar.
Dor.
Monossílabo atônico.
Substantivo abstrato feminino singular.
Gramaticalmente lindo.
Dor. Ela não escorrega pelas minhas mãos humanas.
Teria eu mãos de pato? Seria eu um pato?
Pato.
Palavra paroxítona, dissílaba.
Substantivo concreto masculino singular.
Gramaticalmente "tosco".
O "tosco" pato tem nadadeiras nas "mãos". Nada escorrega
entre os dedos.
Ar.
Oxigênio.
Aprender a respirar.
Ausência.
O ar que inalo é a nicotina e o alcatrão do meu cigarro.
Segredos.
Palavra paroxítona, trissílaba.
Substantivo abstrato masculino plural.
Não há segredo que não possa ser desvendado, a não
ser o seu próprio.
Céu vazio. Nem lua nem estrelas.
Espaço vazio que minha mente preenche mediante tamanho, absurdo e inexplicável
silêncio.
Dorme, meu bem. Dorme teu sono tranquilo.
Dorme, que a pupila do meu olho se dilata e no escuro eu enxergo mais.
O medo é para as presas.