Lembrei-me de coisas bobas. Do primeiro beijo, da inexperiência sexual
refletida na boca salivante transbordando de secreção vaginal
por entre as coxas da esposa do vizinho no chão do quintal de terra úmida
de chuva, do esguicho de água do dentista daquela única vez em
que estive num consultório dentário...
Meus lábios antes secos, agora estavam úmidos de sangue devido
às rachaduras. Eu passava a língua áspera pelos lábios
e recolhia o sangue vorazmente. Também abria e fechava a boca ao máximo
repetidas vezes para que meus lábios secos se rachassem e sangrassem
ainda mais, e lambia, lambia vorazmente o sangue. De vem em quando eu parava
por alguns minutos para que os lábios voltassem a secar (e torcia muito
por isso) e então repetia o ritual de auto vampirismo.
Meus pés descalços pisavam no chão duro de terra seca onde
antes era um rio, mas hoje parecia um grande paraíso de pedaços
de ovos de chocolate de páscoa. Pascolândia. Bom, muito bom! Meus
pés descalços no chão duro e quente provavelmente provocariam
o aparecimento de bolhas. Estava ansioso por esse momento, pois a ideia
de cravar os dentes nas bolhas e chupar a sua água para saciar a sede
só não me fazia salivar porque meu corpo já era uma uva
passa.
A língua grossa e seca dentro da boca era como uma serpente a me engolir
de dentro para fora e as raras vezes que eu urinava, tinha o cuidado de recolher
na cuia empoeirada cada gota do precioso líquido. Era preciso beber de
imediato a urina quente, antes que evaporasse.
Quando demorava demais a urinar e a língua grossa estava seca a ponto
de sentir cada poro de papila gustativa, punha-me a me masturbar. A ejaculação
forçada custava a vir. Era necessário buscar nas gavetas ressequidas
do meu cérebro lembranças distantes dos fartos seios cheios de
leite de minha esposa já levada pela seca, assim como foram os meus filhos.
E a lembrança do mais novo sugando esfomeadamente seus seios que minavam
leite viscoso que escorria pelos cantos da pequenina boca facilitavam o escasso
gozo, que também era cuidadosamente recolhido na cuia urinada.
Eu me bebia sempre que possível, fosse qual fosse o líquido expelido
pelo meu corpo. Eu eliminava líquidos corpóreos que eram imediatamente
recolocados de volta no meu corpo através da boca sedenta sem saliva.
Lambuzava-me e regozijava-me com "bebidas" que jamais imaginei beber.
Minha urina tinha o sabor da melhor das cachaças, meu sêmen o sabor
do mais rico leite de cabra e degustava meu sangue como se fosse o melhor dos
vinhos tintos dos deuses.
E segui, assim como seguiu a seca, até o dia em que eu sequei e caí
no chão da Pascolândia junto aos ossos de minhas cabras.