O som, estampido árduo que fere os tímpanos, marcava o início
daquela noite. As batidas não sincronizadas refletiam a falta de musicalidade
daqueles falsos músicos, a letra mais parecia uma piada sem graça
e mal contada, que dói, rasgando a lógica ilógica. Estavam
a poucos metros de minha casa. Um tal de... Durante horas, todas as formas de
tortura pude
desejar àqueles meninos que não tiveram a oportunidade de conhecer
seu Francisco. Não havia outra possibilidade, não naquela noite.
Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado era pior,
Domingo...apenas na Segunda-feira se podia dormir...mas ainda ouvia o mesmo
som, e do nada era obrigado a me policiar: sem mais, cantarolava as letras que
repudio.
Chovia naquele Sábado, era duas ou três da manhã, como sempre
os mesmos pensamentos. Não suportei, coloquei novamente a velha roupa
surrada, e parti em direção a música. A cada passo meu,
uma batida, o som cada vez mais alto cortava feito navalha e ferro quente, as
gotas de chuva pesavam no meu casaco, e escorriam no meu rosto como lágrimas,
como lágrimas? Nunca havia chorado então pude sentir o peso da
lágrima cortando meu rosto...
Um beco escuro, uma pequena porta entreaberta de onde saíra um feixe
de luz que reluzia nas poças d'água espalhas pelo chão.
TARA, dizia o luminoso sobre a pequena porta.
Entrei. Luzes de diversas cores contagiavam aqueles infelizes, pobres de cultura.
Caminhei em direção ao bar. A cada passada um esbarro, eu, humildemente,
pedia mil desculpas, não era sequer notado.
Sentei-me, no cardápio rasgado, cerveja, refrigerante e água.
Pedi uma cerveja, serviram-me uma lata amassada. Uma, duas, três, quatro
latas e o som não era mais tão ruim como imaginara, belas garotas
cruzavam minha frente e eu as comia com os olhos, um desejo
fora do meu controle, era biológico irracional.
Naquela noite conheci, uma morena escultural que me pediu fogo, como não
fumava e já embriagado lhe ofereci o meu apartamento. - Lá encontrará
o meu fogo -. Caminhando
novamente pela chuva, a navalha quente não feria, o som ardente e estúpido
não mais me incomodava, não estava mais só.
O som não era mais tão ruim, seu Francisco era quadrado, fechado.
Meu nome, seu Francisco. Apenas uma noite pude dormir sem que o barulho me atrapalhasse,
não era mais o mesmo, era um homem que se deu o direito de voltar e conhecer
o desconhecido e odiado submundo, menos sub que o meu.