A Garganta da Serpente
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A sogra e a costureira

(Re Brito)

Nivalda era uma mulher casada, sem filhos, costurava para fora, nada de muito fino, fazia consertos em roupas, bordava, fazia bolsas pra vender. Depois que se casaram, Nivalda e o marido foram morar na casa da sogra ( não diga nada leitor, o próximo pode ser você) por falta de dinheiro, por conveniência e por insistência da sogra que não queria morar sozinha. A sogra fora abandonada pelo marido há mais de 10 anos, ele fugiu com a empregada, mais jovem e muda. A sogra quase morreu, a empregada muda riu silenciosamente como vingança a todas humilhações que já tinha sofrido na mão da patroa falante. Mesmo depois de tanto tempo a sogra sempre que podia esbravejava:

- Me trocar por aquela muda idiota! Que ódio!

- No começo Nivalda se sentia grata por ter uma sogra tão generosa que havia a acolhido em sua casa, mas, generosa era também a língua da sogra que falava sem parar o dia inteiro, e alto. Nivalda ouvia pacientemente a ladainha da boa sogra. Porém, nada mais certo que o tempo para desgastar relações, e assim foi com Nivalda e a sogra. Com o passar dos meses, Nivalda não achava mais graça nos estúpidos comentários que a sogra fazia sobre tudo. Falava sobre o tempo, sobre o que passava na televisão, se intrometia na conversa dos outros, dava palpites no almoço que Nivalda fazia, nas bolsas que costurava, nas brigas de Nivalda com o marido, ela falava pelos cotovelos como se entendesse de tudo. E além de falar como um papagaio, a sogra não sabia ouvir, não prestava atenção no que Nivalda falava, e isso a deixava possessa! Ainda tinham as vezes que a sogra resolvia atrapalhar o namoro de Nivalda e o marido:

- Posso assistir este filme com vocês?

- Claro! - respondiam educadamente.

- E então a sogra tagarelava durante todo o filme :

- O que? Quem morreu? Quem é esse que apareceu agora? Ai, como a Itália é linda! Meu sonho é morar na Itália... - viajava a sogra sem noção...

- E Nivalda pensava em seu cantinho com ódio : " Vá pra Itália, tomara que você caia da Torre de Pizza, que seja comida por leões-fantasmas no Coliseu, ou simplesmente que suma!"

- O marido de Nivalda, este coitado, tinha uma paciência de Jó com a mãe e poucas vezes falara grosso com a santa. Nivalda não ousava falar mal da sogra para o marido, afinal "Mãe é mãe!", mas a raiva de Nivalda estava se tornando cada dia mais óbvia. Toda vez que a sogra chegava em casa , Nivalda mudava, ficava mal-humorada, já não dava bom-dia pra sogra, só boa-noite, não queria mais jogar buraco com ela, dava respostas curtas e grossas para as perguntas da bendita.

- O pior era que Nivalda não conseguia engravidar, desde que se casou, há pouco mais de 2 anos, ela e o marido tentavam ter um filho, quase todas as noites eles tentavam com furor, mas nada de Nivalda emprenhar. A sogra sabia que ela sofria com isso e sempre que podia, com toda sua delicadeza feminina e ferina, a querida sogra jogava isso na cara de Nivalda, sutilmente as vezes, mas Nivalda percebia e sabia que a sogra gostava de machucar seus sentimentos. Sempre em alguma reunião de família alguém vinha com este assunto:

- E então Nivalda quando é que sai esse rebento?

- Pois é, - falava a sogra, que nunca perdia oportunidades como esta - já tem quase três anos e nada de neto, Nivalda tem que se apressar antes que meu filho se canse de esperar um bebe dela e arrume outra...hahahaha - e ria seu riso raivoso como se tivesse graça.

- Nivalda ficava muda e desejava ser surda pra não ouvir tanta maldade disfarçada de piada. Nesses momentos ela desejava agarrar o pescoço da sogra e só soltá-lo depois de muito bem estrangulado, mas ela aguentava firme sempre na esperança de calar a boca da sogra com uma esplêndida barriga de grávida, ou então mudando-se dali para sempre. E Nivalda não deixava por menos, sempre que podia, irritava a sogra com gemidos bem altos durante o amor, ou tocava em assuntos desagradáveis "sem querer" como o da ex-criada muda que roubou o marido da sogra.

- E assim os dias se passavam, numa pequena guerra fria de nervos. Um dia porém, a guerra se declarou entre elas. Nivalda estava na cozinha, fazendo o almoço, quando a sogra chegou e começou a dar palpites na comida. Nivalda que já estava irritada porque mais uma vez tinha ficado menstruada, explodiu de repente:

- Não se meta sua vaca! - estourou.

- Na mesma hora a sogra retrucou, como quem esperava por aquele momento sedenta de veneno:

- Eu me meto em tudo que quiser pois esta é minha casa!

- Você se mete em tudo porque não tem nada pra fazer sua megera!

- Você tem o que fazer mais não faz, não tem competência pra ter um filho, deve ser seca por dentro!

- O sangue de Nivalda ferveu, ela foi pra cima da sogra mas nesse momento ouviu o barulho do carro do marido chegando na garagem e parou, não podia bater na mãe do marido, isso seria o fim do casamento. Nivalda deu as costas para a sogra e foi para o seu quarto tremendo de raiva. Mais tarde o marido que já sabia da briga pediu que Nivalda tivesse paciência com a mãe que estava meio esclerosada. Nivalda que amava o marido mais que tudo concordou, pois sabia que não tinha escolha, pelo menos enquanto estivesse morando na casa da danada. Por um tempo fingiu ser surda, mas não era, e ouvia a sogra esguichando seu veneno todos os dias.

- Uma certa noite, em que o marido ainda não tinha chegado do trabalho, Nivalda costurava assistindo a novela quando a sogra chegou e se sentou no sofá ao lado. Nivalda continuou muda, e a sogra mesmo percebendo que Nivalda não estava afim de papo começou a narrar a novela, falou mal da passadeira, do ex-marido, deu palpite na costura, enfim, não interessava o assunto ou quem era o ouvinte, contanto que ela pudesse falar, falar, falar. Nivalda que já não aguentava mais este falatório insano não pensou duas vezes nesta hora. Se aproximou da sogra que continuava falando sem perceber o que estava para acontecer, e segurou sua garganta com toda força que tinha. A sogra arregalou os olhos com medo e tentou gritar mas não teve tempo.

- Quando o marido chegou em casa, Nivalda estava em frente a televisão costurando como de costume, mas no sofá ao lado sua mãe

- estava estranhamente calada. Ele chegou mais perto atônito e constatou que a velha estava branca, como os olhos arregalados e a boca costurada. Nivalda fez uma cara de "fazer o quê?" pro marido e tranquila continuou costurando em silêncio.

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