A Garganta da Serpente
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Conto rápido

(R. Carvalho)

Iremos reviver, algum dia, o que no tempo passado quase se esvai. Vai, chama sua voz e cante aquela canção sangrando mãos ao nada. Tudo tem seu jeito de ser e acabamos sendo do jeito que fomos, por mais longe que fujamos do obstáculo. Em estátuas nos transformamos, quando olhamos o passado tão mal passado. Entre garrafas e tristeza, entre vazios e raiva deslocamos a alma para o lado contrário, como se navegássemos contra a correnteza que quer a todo custo nos levar para o abismo do desconhecido, do mistério. Pegue suas roupas e as coloque de molho, precisamos lavar as manchas daquela noite. Noite que você me apareceu toda de branco, com os cabelos molhados, as mãos em sangue, dizendo que seu marido não mais atrapalharia sua vida. Que nunca mais ele bateria em sua cara. Que sua voz nunca mais precisaria calar diante de tanta humilhação, pois calastes a boca dele. Em cortes muitos e profundos você disse que desenhou um tabuleiro em suas costas e barriga. Queria que nada disso tivesse acontecido, que você estivesse aqui conversando comigo, com nossos maridos lá na varanda tomando suas cervejas, mas tudo se partiu e mesmo sem querer, sempre me vejo olhando a janela e olhando a grama, os portões e o grande vazio que ficou. O mais triste é saber que estais nessa cadeia, misturada com tantas outras presas que não podem lhe entender, que ao longe fico sem poder lhe cuidar e nem tirá-la daí. Só mesmo esperar, em poucas visitas permitidas e aguardando resultado do julgamento. Em legitima defesa o advogado disse que escaparias. Falta pouco, bem pouco, na próxima semana sai o resultado. E no tempo revivendo nossas prosas estaremos, como nos velhos tempos, e talvez bem melhor, pois você estará livre das grades do presídio e das garras dele.

Então cantarás aquela canção de mãos limpas e de olhos novos, enxergando um belo futuro de muito sucesso e paz.

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