A Garganta da Serpente
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Eleonora

(Renato Dutra Gomes)

Linda, essa foi a única palavra que consegui pronunciar no momento em que, pela primeira vez, vi Eleonora. Ainda me lembro, meu sangue primeiro congelou em minhas veias, depois começou a ferver, borbulhando por todo o meu corpo, me fazendo suar frio.

Eu estava enfeitiçado pelas belas curvas que ela exibia, fascinado pela beleza interna que ela demonstrava e totalmente dominado pela personalidade que dela emanava, enfim percebi: Estava apaixonado.

Só não entrei para conhecer melhor minha nova paixão, que se chamava Eleonora, porque estava atrasado para pegar Christine no consultório de psicologia onde ela trabalhava, pois justamente naquele dia era o nosso primeiro aniversário de casamento e eu pretendia começar uma noite, com minha amada esposa, fazendo uma surpresa e levando-a para um jantar à luz de velas justamente no restaurante onde nos conhecemos. Mesmo assim, fui embora com apenas uma certeza: Eleonora ainda seria minha.

No dia seguinte, fiz questão de passar pelo mesmo caminho do dia anterior só para, novamente, poder ver Eleonora através daquela vitrine. Durante toda a semana foi desta forma : Eu passava pela calçada e namorava Eleonora pela vitrine, porém sem coragem de entrar, porque minha esposa ainda não sabia de nada.

Eu precisava elaborar uma forma de contar para Christine sobre minha nova paixão e a partir daí tentar fazer com que ela aceitasse o fato de eu possuir Eleonora só para mim. Se conseguisse convencer minha esposa sobre a peça que o cupido me pregara, ninguém, mas ninguém mesmo, seria capaz de impedir que eu possuísse Eleonora.

No sétimo dia da neurose, causada pela minha obsessão, Christine já estava mais do que desconfiada, afinal de contas era tanta diferença em tão pouco tempo que qualquer uma suspeitaria, era lixo na rua, meias e roupas sujas no cesto, pratos e copos lavados antes que ela chegasse do serviço, a televisão sempre no canal que ela escolhesse, fosse novela ou programa feminino, mas o estopim foi o fato de eu não ter ido jogar futebol com os amigos no sábado à tarde só para ir com ela ao cinema assistir a um filme que ela sabia que eu não gostava e só por isso me convidou para ver qual seria minha reação a essa armadilha.Tudo isso fez com que ela me fizesse a seguinte pergunta:

- Ricardo! Você quer me contar alguma coisa e não sabe como?

Conheço bem esse seu jeito ! fala logo o que você quer que eu não aguento mais esse seu jeito de cachorro abandonado.

"Bem feito ! Quem mandou se casar com uma psicóloga, agora aguenta." Essas seriam as palavras de minha mãe se ela estivesse aqui. Mamãe que sempre foi contra o meu casamento. Porém, eu fiquei feliz, porque finalmente poderia desabafar e contar para minha esposa sobre Eleonora e com muita sorte e persuasão eu conseguiria convencê-la a aceitar o fato de ter que me dividir com Eleonora.

A batalha argumentativa travada naquela noite foi muito dura, tão dura que só teve fim no dia seguinte. Final feliz! Pelo menos para mim, pois meus últimos argumentos não puderam ser combatidos por Christine, afinal de contas todo sábado à tarde eu passava sozinho em casa enquanto ela ia para a casa da mãe dela, tempo este em que eu poderia me distrair com Eleonora, sem problema algum, por fim, o fato de que ela poderia ir fazer compras ou até mesmo ir ao salão de beleza com Eleonora deixaram-na sem argumentos.

Minha esposa, muito ardilosa e sábia, psicóloga como eu já disse, tratou logo de tirar vantagem da derrota sofrida e com muita chantagem emocional conseguiu me convencer, quer dizer, obrigar, a passarmos o final de semana com os pais dela na casa de campo; porém eu não estava nem aí para isto, porque seria só no final de semana; mas, naquele mesmo dia, sem mais demora, eu possuiria Eleonora.

Logo depois do almoço, nem me lembro do que foi servido naquele dia, porque meu organismo não tinha forças para querer nada que não fosse Eleonora, fui ao encontro da minha nova e avassaladora paixão. Tenho de admitir que a princípio minha esposa ficou meio assustada com Eleonora, mas depois de passado o susto minha companheira conjugal também se encantou por minha nova paixão, o que selou, de uma vez por todas, minha vitória naquela batalha travada entre marido e mulher para, por que não? se instituir um triângulo amoroso e harmonioso entre todas as partes.

O encantamento de Christine por Eleonora foi tamanho que ela disse:

- Senhor Armando, parabéns pela venda. Agora com a chegada de Eleonora meu marido poderá se divertir melhor com ela e eu terei mais tempo a sós com o senhor Boby, o outro carro da família, e afinal de contas estávamos mesmo precisando de um carro novo, mesmo ele, desculpe, ela não seja tão nova assim. Mas um Landau mil novecentos e oitenta, é pelo menos, um carro clássico e com muita personalidade.

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