O Fantasma
(Rachel Dias de Moraes)
Após um jantar na casa de uns amigos, de repente, começou uma
conversa sobre assombrações. Naturalmente, muitos disseram não
acreditar em fantasmas, mas vi quando meu amigo Julio olhou para Helena que
abaixou a cabeça. Intrigada e curiosa eu perguntei:
- Então, temos um caso de fantasmas por aqui?
Todos da sala se viraram em direção a Helena, que ficou visivelmente
vermelha.
- Julio! - disse ela em tom de censura. Como é que podes dizer uma coisa
dessas!...
- Vamos, vamos, meu bem! Estamos entre amigos. Conte a tua história. Que
mal há nisso?
Todos nós, a uma só voz, insistimos com Helena para que nos referisse
o que sabia.
- Bem, disse ela, por fim. E pôs- se a contar uma intrigante estória:
- Há dois anos, quando estive visitando minha amiga Mônica que
mora nos Estados Unidos, notei que toda noite tinha o mesmo sonho: passeando
pelo campo, avistava ao longe uma casa amarela, rodeada por um bosque de ciprestes
muito altos.
Em sonhos, eu me sentia atraída pela casa e ia até ela. Um muro
pintado de branco cercava todo o bosque. E todo o caminho que levava a casa
era coberto por flores: anêmonas, lírios, margaridas... O caminho
terminava na entrada; diante dela havia um círculo de glicínias
lilases.
A casa tinha um barrado de pedras, as paredes eram pintadas de amarelo, a porta
era muito original, toda esculpida de pequenas fadas e borboletas; e para se
chegar nela entrava- se por uma aconchegante varanda ladrilhada de lajotas terracota.
Eu queria visitar a casa, mas ninguém atendia aos meus chamados. Batia
angustiadamente, gritava, gritava, até despertar.
Esse mesmo sonho se repetiu todas as noites com fidelidade impressionante,
durante o tempo em que estive hospedada na casa de minha amiga. Eu tentava explicar
os porquês de sonhar a mesma coisa tantas vezes, e nada. Devia ter visto
aquela casa na infância, aquelas árvores e, sobretudo, aquela porta.
Enfim era um mistério; falei com minha amiga Mônica sobre os sonhos
e ela, muito impressionável, ficou vários dias me crivando de
perguntas. Um dia ela me convidou para irmos até uma cidadezinha perto
de onde ela morava. No caminho de volta, enfrentamos uma tempestade de areia
nunca vista. Mônica quase que perde o controle do carro que balançava
freneticamente. Eu estava sem fala; aquilo era assustador, nunca tinha visto
nada parecido. De repente, não sei como, o carro deu uma guinada e saímos
da estrada principal. A tempestade de areia parou abruptamente. Olhamo- nos,
estarrecidas. Senti uma emoção semelhante à que experimentamos
ao encontrar depois de longa ausência as pessoas ou lugares bem amados.
Embora nunca tivesse estado naquele lugar, identifiquei a paisagem. Os ciprestes,
os canteiros floridos. Através das folhagens adivinhei "a casa"!...
Compreendi que encontrara a casa dos meus sonhos. Tudo igual, o mesmo caminho
de flores, o bosque de ciprestes. Entrei por ele. No fim deste caminho, vi o
círculo de glicínias, a varanda de lajotas terracota e a porta
esculpida!
Quase tropeçando, fui direto à porta de entrada, bati freneticamente.
Mônica chegou em seguida tropeçando em um vaso de antúrios,
e quase se machuca.
- Pelo amor de Deus, Helena, você parece que está possuída,
nem me esperou e agora está esmurrando essa linda porta! Conhece essa
gente?
- É o que vou ver agora. Sabe aquele sonho que te falei?
- Sim, e daí?
- Achei a casa!
- Não me diga!
Continuei batendo. Receava que a casa estivesse vazia, e então o mistério
ficaria sem solução. Nesse momento, porém, ouvi um barulho
no interior da casa. Alguém virava a chave. Logo depois a pesada porta
se abriu e um velho de profundos olhos azuis surgiu no limiar.
Ao me ver abafou um grito e recuou. Os olhos estavam esbugalhados de pavor.
Eu também me assustei naturalmente, pois não fazia a menor ideia
do que se passava e perguntei:
- Posso saber porque eu causo tanto espanto? E quem é o senhor? O dono
da casa?
- Não, não, sou o guarda contratado para tomar conta da propriedade.
- E será que o senhor poderia chamá- los para mim?
- Impossível, eles não moram mais aqui, fugiram todos, não
suportaram mais o que sucedia a eles.
Ele falava, mas percebi em sua voz, muito medo. Mantinha uma boa distancia
de mim, como se quisesse se proteger. E quem estava ficando apavorada era eu.
A Mônica estava dura como um soldadinho de chumbo, chumbada no chão
e dava pra ver nitidamente que tremia mais que eu.
- Mas que há consigo, sou tão feia assim que lhe causo tanto espanto?
- Não, senhora! É que...
- Fale! Porque eles fugiram?
- A casa estava assombrada...
- Assombrada?
- Sim... Durante semanas e semanas, todas as noites surgia um fantasma...
- Um fantasma? Que absurdo! O que é que o senhor está dizendo?
Quem é que acredita em fantasma nos dias de hoje?
- Eu também não acreditava!
Ele falava, mas não tirava a mão da maçaneta da porta,
como se estivesse se prevenindo de algo.
- O senhor viu esse senhor fantasma?
- Sim era "uma fantasma": era mulher.
- Mas que tolice.
- Não diga isso madame! Não! Principalmente a senhora não
pode dizer isso, porque... Quem aparecia aqui todas as noites era... A senhora
mesma!