Poderia até fingir que nada sabia sobre as fugas e saídas noturnas 
  de Valkíria, entretanto, quando tentou desprezar-me com o professor de 
  aramaico, prometi vingança. Não lhe pronunciei qualquer promessa 
  de malefício. Nem tampouco deixei transparecer o meu plano: vingaria 
  sem que ela percebesse, desforrando, assim, dos dois. Imaginei que isto não 
  seria o essencial para mim. Teria que ser punida, mas sem qualquer vestígio 
  para minha condenação e o grande prazer consistiria que , após 
  a execução, ela saberia que eu era o autor. 
  É necessário que saibam que não deixei Valkíria, 
  nem por um momento, duvidar da minha palavra. Continuei sorrindo na sua presença, 
  enviando-lhe flores, comprando-lhe joias, como de costume, sendo que 
  não percebeu que meu riso agora era de vingança.
  Valkíria tinha um ponto fraco, embora fosse uma mulher digna de respeito 
  e até mesmo notada na sociedade.
  Vangloriava-se, junto às amigas, de ser uma mulher bonita, inteligente 
  e ter a seus pés os homens que desejava. Nas artes cognitivas era um 
  fracasso, mas, com respeito à arte de seduzir um homem, confesso, conseguia 
  ultrapassar a todos que assim tentaram o desafio. Fator preponderante em sua 
  personalidade era o gosto pelo ouro, dinheiro e a mania por títulos que 
  lhe oferecessem status. Ocorreu a ideia de que, assim, poderia vingar 
  tanto um lado, como o outro, usando-a, juntamente com o professor de aramaico, 
  para tal fim.
  Uma tarde, quase ao anoitecer, em uma sexta-feira, encontrei minha suposta amada 
  em um restaurante à beira-mar. Acolheu-me com excessos de carinho, como 
  quem quisesse dissimular alguma coisa. Percebi que no cinzeiro havia uma ponta 
  de cigarro de marca diferente do que fumava, o que, para mim, significava que 
  Jean, o professor de aramaico, estivera ali em tempo anterior à minha 
  presença.
  Fiquei tão feliz em encontrá-la que jamais imaginei que a beijaria 
  como beijei, naquele instante.
  - Querida - disse eu - que sorte poder encontrá-la hoje! Como está 
  bonita! Talvez mais do que nos outros dias. Tenho algo a lhe contar, mas quero 
  que a sua felicidade seja compartilhada com a minha. Acabamos de herdar um tesouro 
  na Espanha. Após sucessivos estudos nas anotações do meu 
  tio-avô, Don Diego Fernandez de La Sierra Nunes de Ávila, descobri 
  onde encontrar os documentos que poderiam comprovar o meu parentesco com este 
  nobre fidalgo. Na última viagem que fiz á Espanha adquiri tais 
  documentos e, deste modo, consegui provar, junto à justiça Espanhola, 
  que sou o único herdeiro, ainda com vida, de linhagem direta de descendência 
  de Don Diego Fernandez. Assim, coube a mim os seus manuscritos e dinheiro suficiente 
  para o resto da vida, pela indenização do castelo que ficou para 
  o Patrimônio Histórico da Espanha. Estudando tais manuscritos descobri 
  a passagem secreta de uma mina de ouro, cuja entrada fica no túmulo de 
  Don Sebastion de Ramires Ortega Nunes Ávila, o pai, no cemitério 
  do castelo de Don Diego Fernandez. 
  - E você já comprovou a veracidade de tais manuscritos?
  - Não só comprovei como estive nesta mina, na última 
  viagem que fiz à Espanha. 
  Segundo a crença na cidade, Don Diego Fernandez, mantinha o segredo da 
  mina trocando seus empregados e matando-os, a fim de que o segredo fosse preservado. 
  Há muito ouro ainda, mas como toda abundância provém do 
  trabalho e economia ou da astúcia que advém de uns sobre os outros, 
  confesso que há impedimentos: existe uma porta de pedra, cuja parede 
  pesa toneladas, o que nenhum homem seria capaz de mover. Mas existem instruções 
  escritas na parede da porta de como fazê-la abrir, porém, amada 
  minha, está escrito em aramaico. Assim, para tal encomenda, pensei em 
  convidar o Padre Lucas por ser um dos raros conhecedores de aramaico.
  - O Padre Lucas nunca! - disse Valkíria elevando o tom de voz. Imagine 
  que , sendo sacerdote, pode requisitar o dinheiro para a igreja, uma vez que 
  a mina está sob o cemitério e a morada dos mortos pertence a Deus. 
  Além disto, meu querido, ele não conhece tão bem o aramaico 
  quanto o meu amigo Jean. Posso lhe assegurar que tal pessoa é digna de 
  inteira confiança. Não obstante, há imbecis que acham que 
  o Padre Lucas pode competir com Jean. Impossível.
  - Minha doce e nobre Valkíria, além do segredo da mina, poderíamos 
  confiar em Jean quanto a nossa fortuna?
  - Muito mais do que no Padre Lucas.
  - Então, minha querida, contrate os serviços de tradução 
  oferecidos pelo Professor Jean e providencie nossas passagens para a Espanha 
  para a próxima semana.
  Valkíria providenciou passagens, hotel, carro e tudo o que servisse de 
  motivos para se ausentar, o que, provavelmente, utilizou como fim para seus 
  encontros com Jean, o professor de aramaico.
  Chegamos à Espanha à tarde, quase ao anoitecer, e um funcionário 
  do hotel já nos aguardava.
  Pela manhã, partimos em direção ao castelo, onde um dia 
  um ascendente de minha família, em um tempo, habitara. No caminho observei 
  a troca de olhares, como eu já suspeitava, entre Valkíria e Jean.
  Ao chegar no cemitério observei que a névoa encobria as catacumbas, 
  o que dificultava identificar o mausoléu de Don Sebastian. Valkíria 
  tinha os olhos brilhando, como se estivessem reluzindo, e repetia sempre a mesma 
  palavra - ouro.
  Assim falando, Valkíria, sob os olhares de Jean, tomou-me pelo braço 
  e nos dirigimos ao mausoléu de Don Sebastian, após confirmação 
  da identificação. Pus uma máscara protetora e envolvendo-me 
  no sobretudo deixei-me conduzir pela amada até os primeiros degraus. 
  Após penetrar no interior do mausoléu retiramos a tumba de Don 
  Sebastian e observamos que ali começavam os primeiros degraus que nos 
  levariam ao ouro. Fomos descendo cada degrau sentindo o forte cheiro de bolor 
  que impregnava o ar. Tomei três velas oferecendo uma para Jean, outra 
  para Valkíria, acendi a que me restou e conduzi-os, curvados, por vários 
  compartimentos, passando por escoras de madeiras , até encontrar archotes 
  que substituíram as velas acesas. Continuamos a caminhada entre as paredes 
  lodosas e úmidas até que Valkíria emitiu um grito. Eram 
  ratos que passavam sob nossas pernas. Disse-lhes que, se observassem melhor, 
  viriam que as paredes estavam repletas de baratas e os pontos brancos amontoados 
  nas passagens eram esqueletos dos empregados mortos por Don Diego Fernandez. Pela luz do archote percebi o medo estampado nos rostos de Valkíria 
  e Jean, entretanto ao ouvir a palavra ouro piscavam os olhos e sorriam
  - A porta está longe?- perguntou Valkíria
  - Já descemos muitas jardas, falta pouco - respondi aguardando o momento 
  para desfecho desta história .
  Jean contentava-se em observar Valkíria e continuava trocando olhares, 
  como se tivessem , entre si, um código e, pela primeira vez, no caminho 
  da mina, disse:
  - Estou vendo, à frente, uma parede ao fundo deste caminho. Ao 
  lado pás e picaretas . É a porta?
  - Sim, meu nobre Jean! Todos os seus anos de estudo de aramaico decidirão 
  o nosso futuro. Nosso destino pertence a você.
  Jean aproximava o archote bruxuleante da porta, mas a luz era fraca o que me 
  fez entregar o meu archote para Valkíria a fim de que se aproximasse 
  também da porta. Afastei-me sem que percebessem e ouvi a voz de Jean 
  dizendo:
  - Está escrito: " Aquele que busca o ouro como fim, terá 
  no ouro o seu fim".
  A uma certa distância coloquei a mão na parede e das reentrâncias 
  da parede puxei a alavanca. Do teto desceu uma grade que aprisionou Valkíria 
  e Jean. O barulho da grade descendo provocou susto nos amantes, fazendo-os girar 
  o corpo em minha direção. Jean, estupidamente perplexo, arrancou 
  do bolso um revólver e apontou em minha direção. Então 
  lhe confiei um segredo: havia retirado as balas enquanto dormia, à noite, 
  no hotel e que aquele lugar só seria vistoriado depois de vinte anos- 
  o tempo exato de cadeia em que eu permaneceria se os tivesse matado. Isto caberia, 
  agora, aos ratos.
  Aguardei, inutilmente, qualquer resposta a esta provocação.
  Confesso, copiei o autor. Usei o mesmo ardil que tantas vezes usara Don Diego 
  Fernandez.
  Virei-me de costas ouvindo gritos e choros, e segui meu caminho em direção 
  à saída pensando no ouro dos tolos.