Eles poderiam ouvir o barulho dos passos se arrastando e a tosse noturna do
vigário, caso ele chegasse. Se naquele momento os flagrassem , diriam
que ali estavam três crianças a procura de Deus o que , provavelmente,
abrandaria a ira do padre. Sabiam que ali, na catedral , estariam protegidos
contra os perigos do mundo.
A violência, como um cão raivoso, contaminava a todos . Os seus
entes se foram: Por tiro, mão ou faca. Ali, somente o silêncio
dos insones. Silêncio dos túmulos, das esquinas e dos mistérios
da noite .
Dieguim, circunspecto na sua magnitude, interrompe o silêncio, dirigindo-se
a Deus:
- A mãe não chegou ainda. Tenho medo. Vimos aqui pedir a Você,
Homem da Cruz, que faça ela voltar logo. Meus dois irmãos, Neca
e Junim, já sabem rezar - aprenderam com o avô. Também a
Neca já tem sete anos e o Junim seis. Já ouviu um menino de quatro
anos rezando? É por isto que não sei . ..Também não
acho certo quando a Neca diz " em nome do Pai"... O pai foi passear
no carro da polícia e não voltou mais. Tá vendo? Acho que
ele só quer saber de passear lá trás, todo folgadão,
naquele carro. Também não entendi por que colocaram pulseira nele...Ele
sempre dizia que homem não usa pulseira... Por isso eu digo : - "em
nome da Mãe, do Filho e do Espírito Canto.."
- Será que prenderam a mãe? Mas ela é santa. Nunca ouvi
falar que prendessem santa... Além do mais, acho que a mãe é
a própria Santíssima Trindade - Mãe, Filho e Espírito
Canto. O Junin diz que não. Eu digo: - é e é. Eu sempre
Lhe pergunto e Você nunca diz que não é. Então é.
A mãe também nunca fala que não. Só ri. Viu? Não
disse que é?... A mãe cozinha , lava e passa... mas canta .. É
ou não é o Espírito Canto? A Neca sempre me defende e diz
que sei rezar melhor do que ela porque Você, Moço da Cruz, atende
mais a mim. Ela e o Junim juram que O viram sorrir quando eu orava e perguntei
quem era o "amém". Há até isto: a gente deve
dizer o "amém". Não sei para quê? Bobagem...Não
conheço este moço... Não é?
- Heim... Não respondeu é porque é.
Enquanto a criança fala a Cristo, o tempo diminui e as luzes das velas
vão se apagando..
Há uma expectativa de que a qualquer hora alguma coisa possa acontecer.
Permanecem estáticos em frente ao altar. O silêncio é interrompido
por passos. É o padre!
No seu rosto uma ruga franze sobre as sobrancelhas, deixando dois sulcos paralelos
na testa e repuxando levemente sobre os olhos enrugando-os mais ainda. Sua boca
semi aberta, denota, assim, espanto e admiração. Há um
brilho especial nos seus olhos, como estivessem marejados ou talvez fosse a
luz ocular da própria admiração. Pensamentos caóticos
são filtrados pelas crianças , os espectadores da visão
terrífica do cura , que parece os querer devorar . Balbucia alguma coisa
e um som horripilante sai da sua boca, alguma coisa qualquer como:
- Pequenas criaturas de Deus! Cenas trágicas ocorreram . A polícia
acaba de invadir as ruas do centro e armas entram em ação. Tiros.
Corpos caem. Sangue, tiros, mortes. Transeuntes , ali, neste momento, estão
feridos. A mãe de vocês ... acredito que seja ela... não
tenho certeza...
- Morreu? Perguntou a Neca .
- Ainda não sei....
Uma lágrima desce dos seus olhos . Do Junim também.
Eu, Dieguim, sei que daqui a pouco o Moço da Cruz vai levantar o dedo
fazendo um OK. Não acredita? Vai sim... Você vai ver...
A porta da igreja se abre.
Mãe. Mãe? Mãe!