A Garganta da Serpente
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Arcabouço de amores abortados

(Rodrigo Novaes de Almeida)

NARRATIVA I
Faz frio. Melhor assim. O sangue não ferve tanto. Ela me ligou no final da manhã. E hoje é domingo. Eu não disse. Ela não perguntou. Eu queria desligar. Eu não queria desligar. Ela eu não sei. Eu pensei como era triste não poder ver o seu sorriso neste dia de concha. Ela eu não sei. Eu passei a tarde a escutar discos antigos. Ela eu invento um banho morninho e uma caneca de chocolate quente. Eu amanhã digo sem desculpas. Ela amanhã diz saber. Mas eu não direi, darei desculpas. E ela fingirá nada saber.

NARRATIVA II
Sebastião amou tanto nessa vida que ao se deparar com a jovem Gabriela sabia que o que viria a sentir por ela transcenderia pele e secreções. Gabriela nunca soube que fora tão amada. Depois daquele dia não se viram mais. Era uma tarde fria de domingo.

NARRATIVA III
É assim que eu te amo. Disse Jorge. Estava diante do espelho. Treinava havia duas semanas, desde aquele domingo enregelado e fatídico em que o coração pulou da boca e se estilhaçou como granada no vestido branco de Joana. Joana mandou o vestido branco para a lavanderia, mas ele jamais voltou à mesma cor. E Jorge passará mais três semanas diante do espelho, antes de ir ao encontro de Joana, que a esta altura estará de namorado novo e não escutará de Jorge as palavras adestradas.

NARRATIVA IV
Foi Tainá quem falou. Suas palavras vieram desfalecer o pobre coração de Silvano. Ela tinha outro. Era segunda-feira e o inverno não tardaria a chegar.

NARRATIVA V
Lívia me procurou para tirar satisfações. Que história é essa de gostar de mim, hein? O que você quer? Por que você escondeu isso de mim? Seu covarde! Vai ver não gostava nada, só inventou que gostava. Pois saiba que eu é que gostava de você, seu tolo, idiota, burro! Eu gostei de você desde o dia que eu vi você pela primeira vez, lembra? Hein? Lembra? Responde! Estava um calor danado, ainda era verão, sei lá. Eu vi você sentado naquele banquinho ali e fui puxar papo. Sentei do seu lado. Sentei de frente pra você, cruzei as pernas, falei pelos cotovelos. Eu gostava de você. Eu gostava, de verdade. Dei todos os sinais e você nada. Por que não me disse que também gostava de mim? Por quê? Agora eu te amo e você continua calado.

(Rio, 27 de maio de 2007)

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