"No amor, jamais nos deixamos completar.Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários"
Roberto Freire (livro: Ame e dê vexame)
- Não consigo viver sem ele.Vou morrer.
- Sem ele ou sem a companhia dele ?
- Dá no mesmo, pô! Que idiotice.
- Será ? Ou não seria mais razoável dizer:- Não
encaro a solidão?
-Ele é o meu amor. Absoluto, total.Estou sofrendo adoidado.
Tentar explicar à uma menina de vinte anos que sequer temos certeza da
existência desse amor avassalador é complicado demais.Afinal é
cortar o barato de Romeu e Julieta, é tirar o romantismo precocemente,
é tentar avançar na idade dela, para que descubra logo que o grande
medo, o medão mesmo, é a solidão.Não ter alguém
para ir àquela festa, não ganhar presente no dia dos namorados,
não ouvir o maravilhoso som do - eu te amo (ao telefone) não ter
com quem sonhar, não ter acompanhante na TPM, amargar a ironia das "amigas"
- Desacompanhada?!... Coitada, é mal- amada".
Afinal o mito do amor eterno, mesmo que com muita dor, aliás tem que
doer (está institucionalizado que pra ser amor, tem que doer paca), continua
em voga. Em plena era dos ficantes, na geração do "tudo é
permitido", dos filhos feitos em produção independente -
que eu me basto - ainda é mico afirmar: - "Eu nunca sofri
por amor".
Tem que chorar sim, abundantemente, para se tornar adulta.Alguém disse
que o sofrimento nos faz melhor, não só o sofrimento amoroso,
as perdas em geral.
Então por que tantos jovens que foram pra guerra, perderam tudo, padeceram
pra cacete, não ficaram seres humanos maravilhosos? Acho que estou delirando.Muito
sol na praia, não quero que ela sofra jamais!
Realmente não sei como dizer para este projeto de mulher madura, que
este tal amor total, engloba convivência com companheirismo, respeito,
amizade, confiança, cumplicidade, admiração acima de tudo,
não apenas arrebatamento pelos belos bíceps, além do que
ela já sente, é óbvio, o tesão. O sofrimento acontece,
não há como evitá-lo, faz parte da construção
de nossas vidas, mas não temos que procurá-lo para constar em
nossa biografia, para enriquecer o currículo de nossa feminilidade, com
escolhas tão malfeitas como esta dela agora.O cara é um imbecil
completo, um safado e burro, muito burro porque a deixou.Vai se arrepender amargamente
(misto de constatação e praga).
Caraca , que discurso ridículo acabei de fazer na minha mente, por sinal
nada brilhante. Ainda bem que lá ficou, que não virou oral.
Desde quando o amor é racional a ponto de fazermos escolhas corretas?
- Chora minha garota, inunda o Nilo, fertiliza desertos com suas lágrimas,
pois qualquer final de amor é triste.Sairá fortalecida sim, pra
desvendar que o tal eterno é eterno enquanto dura, e quem sabe
um dia descobrir se existe o tal amor total.
Não existe panela sem tampa, apesar da eterna mania de trocarmos as tampas
e essas mal encaixadas, não permitem o vapor pleno.
Nos abraçamos finalmente como duas mulheres. A infância dela havia
acabado agora, neste instante no meu cérebro maternal. Agora éramos
duas grandes amigas!
Um mergulho no mar, uma olhada no salva- vida, um sorriso cúmplice. -
Que gato!
(janeiro de 2005)