Antes de viajar, agora em janeiro, fui visitar minha madrinha. Há muito 
  não passava uma tarde com ela. Intimamente inventava falta de tempo, 
  mas achava que iria me trazer saudades de mamãe. São irmãs 
  e extremamente parecidas.
  Tia Adélia está com 78 anos e tem um vigor incontestável. 
  A viuvez lhe fez muitíssimo bem.
  Aliás, andei reparando nos últimos meses, que, para muitas mulheres, 
  a viuvez rejuvenesce. Até porque é a saída para pôr 
  fim a casamentos sufocantes, que antigamente tinham que ser coroados com bodas 
  de ouro (ouro chapeado, que fosse).
  Dou palestras em cursos para a terceira idade e percebo que as senhoras estão 
  superantenadas com a atualidade. Discutem com embasamento a guerra do araque... 
  (leia-se Iraque) e falam com tranquilidade e jovialidade sobre qualquer 
  assunto.
  Nelas, percebo desejos confessos, paixões inconfessáveis, curiosidades 
  sobre orgasmos, tesões latentes. Quando lemos poesias, costumam pedir 
  Silvana Duboc com muita vontade. Dizem que ela expressa o que nunca teriam coragem 
  de falar, que dirá escrever.
  Bem, titia veio com uma reclamação:
  - Rosa, você leu a reportagem onde afirmam que o Cary Grant é gay?
  Respondi afirmativamente, de uma forma displicente. Ela ficou p... da vida e 
  começou a discursar...
  - Preferia não saber. Tenho horror de pensar que sonhei anos em ser o 
  recheio daquele "pão", e ele era bicha.
  Falei para ela que normalmente estas notícias são duvidosas e 
  costumam ser matéria da imprensa marrom.
  - Saiu na "Revista Veja", não foi na "Amiga" ou "Inimiga"... 
  porque todas na maioria são impiedosas; e, mais, toda imprensa se não 
  é marrom, é no mínimo bege. Todas, tá! Pois, Deus 
  me livre, como falam!!!
  Tentei amenizar, dizendo que o fato de ele ser gay não invalidava a sua 
  arte. Que ela estava sendo preconceituosa.
  Revidou na lata...
  - Na minha geração, fomos criadas para termos preconceito. Essa 
  bandeira contra o preconceito só foi levantada de vinte anos pra cá. 
  E, mais, a arte dele está ligada à imagem, e a imagem vendida 
  foi a de um belo macho. Sinto-me lesada e, como está na moda, vou à 
  defesa do consumidor. Me venderam um gay com rótulo de macho.
  Silenciei, reflexiva... Pausa para comer as fantásticas esfirras de titia, 
  muito superiores às do Saara. Conversamos sobre outros assuntos, e lá 
  fui eu para casa. Dirigindo, pensando. Titia tem razão.
  Lembro-me quando Elis Regina morreu. Eu era fascinada por ela. Ainda sou. A 
  morte precoce doeu, mas meu coração foi lesado ao saber que morreu 
  por cocaína. Queria ter a imagem da "pimentinha" como mulher-mãe, 
  que consegue ter sucesso e é feliz. Droga, não era. Quebraram 
  meu ídolo.
  Eu, como eterna sonhadora, amo castelos e princesas. A Cinderela do século 
  XX, Lady Di, teve sua imagem destroçada. Cinderelas não sofrem 
  de bulimia, não são promíscuas. Imaginem se me contam que 
  o Al Pacino é veado! Puts! Sonho em dançar aquele tango de "Perfume 
  de Mulher" encaixada nele!
  Merda, ano após ano, estão destruindo nossas fantasias. 
  Mas a tristeza maior veio com a constatação que, com a velocidade 
  das informações, minha filha, meus futuros netos, nem sequer poderão 
  criá-las. Acabaram-se os ídolos. Todos nascem com pés de 
  barro.
  Meus heróis morreram de overdose. Overdose de informação.