Todas as manhãs abrir os jornais e ver rostos de crianças sorrindo
estampados na primeira página. Não me surpreender que elas estejam
felizes, pois isto é tão natural. Depois preparar o café
da manhã com suco de frutas frescas. Não me surpreender
que elas estejam suculentas, pois há tanta terra no quintal de nosso
planeta. Abrir as janelas da casa e deixar a face limpa, sem filtro algum, ruborizando-se
com os raios solares. Não me surpreender com a delicadeza deles,
pois eles sempre souberam sua distância, nunca quiseram ser ultrarroxos,
apenas violetas. Ver as pessoas fechando as portas de suas casas sem receio,
sabendo que voltarão em algumas horas. Não me surpreender que
elas estejam tão confiantes no retorno, pois voltas do trabalho não
são incógnitas no império do bem viver. Ouvir todo e qualquer
menino gritar que está atrasado para a escola. Não me surpreender
que ele não use cola para cheirar, mas sim para prender seus enfeites
nos cadernos. Ver os carros ausentes de buzinas, pessoas sem gritos desesperados,
esperando pacientes os pedestres com seus passos elegantes, acenando um muito
obrigado aos motoristas. Assistir o antecipar de braços, para aqueles
que já perderam a força nas pernas. Não me surpreender
com a afabilidade, pois ela é coisa comum entre os humanos. Varrer a
casa com zelo sem receio de perdê-la, pois todos possuem uma, não
existem apenas alguns donos para muitos ocupantes passageiros. Ver canteiros
de margaridas e não pessoas feridas embaixo das pontes. Fazer o feijão
com capricho e deixar que o tempero se espalhe pelas ruas até receber
o arroz da vizinha. Misturarmos em um só prato e comermos juntas nas
esquinas da existência, sem olhares de esguelhas de terceiros, mas sim
olhares companheiros vindos da certeza que todos nós lemos o mesmo livro,
onde a história era dividir a vida nas pequenas coisas, para fazê-la
grande no todo. Rir de contentamento e não acordar de jeito algum desse
sonho, uma Terra Santa sem dono, pois aquela foto no jornal foi erro de edição.
Ela foi tirada num tempo de enganos. Não ficar desesperadamente surpreendida
com a eterna ignorância do homem. Difícil acreditar que ainda hoje
se use a mão para ferir quando existe o toque que afaga e faz florir.
Não bastaram as rosas que não desabrocharam em Hiroshima?
Quero muitas vivas, de todas as raças e cores, na Palestina.
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