Sou um homem endividado, acuado e desesperado. Ontem à noite não
dormi um segundo. Faz muito tempo que não sei como é uma noite
de sono tranquilo. Houve algumas em que consegui cochilar, não dormir.
Porém, entre estes breves intervalos, despertava assustado, ansioso,
angustiado. Na madrugada de ontem para hoje nem isto aconteceu - fiquei o tempo
todo acordado. Mas os meus problemas não se resumem a isto; também
não posso sair de casa e mesmo dentro de casa é difícil
ficar. Quando o telefone ainda funcionava, cada chamada era um tormento; ainda
bem que agora não toca mais, o que, de certa forma é um alívio,
embora este simples pormenor tenha me isolado definitivamente do resto do mundo.
Não entro mais no elevador nem desço as escadas do meu prédio;
não abro a caixa do correio; não abro sequer a porta do apartamento
a fim de não encontrar o síndico, embora ele me chame dezenas
de vezes ao dia pelo interfone. Há ordem judicial de despejo contra mim.
Minhas dívidas não são como as de outro homem qualquer,
pois, de algum modo, aquele costuma sobreviver praticando malabarismos financeiros.
Paga um empréstimo levantando outro, obtém parcelamentos, vende
algum tipo de bem. Eu, não! Ninguém me empresta um centavo, não
há mais como parcelar pagamentos, nem possuo nada para vender. Já
fui uma pessoa de classe média alta. Tinha uma boa renda advinda de imóveis
alugados e de aplicações financeiras. Portanto, sempre vivi de
rendimentos do capital que herdei do meu pai. Nunca tive nem exerci uma profissão.
Jamais trabalhei para viver, pois nunca me faltou dinheiro. Animais vivem sem
dinheiro, mas não sem ar. Já vi homens viverem com muito pouco
ar, mas nenhum sem algum dinheiro.
Perdi tudo gastando sempre mais do que arrecadava. Como tinha crédito,
fui levantando sucessivos empréstimos confiando sempre no meu vasto capital.
Acreditava que nunca iria acabar. Devo tudo a todos: aos bancos, aos cartões
de crédito, aos supermercados, aos açougues, ao proprietário
deste apartamento que aluguei, ao imposto de renda, enfim, é difícil
me lembrar de alguém a quem não deva. Há dias em que não
tenho nada para me alimentar; como me sinto constrangido em pedir a alguém
- a algum vizinho, por exemplo - fico sem comer. Quando não suporto mais,
vou a um supermercado e surrupio algum alimento. Já fui flagrado duas
vezes roubando comida e só a muito custo consegui convencer o gerente
de que saíra sem pagar por mero esquecimento, mas como fora humilhado
não levaria mais a mercadoria. Iria comprar em outro lugar.
Até agora nada do que disse justifica um por cento do desespero a que
me referi no princípio deste relato. Quando possuía alguns haveres
tinha muitos amigos. Como tinha também todo o tempo do mundo, me oferecia
a muitos deles para ir pagar as suas contas nos bancos. Nunca me interessei
pelas coisas do intelecto. Para mim, a literatura, a poesia e a arte não
passam de invenções de homens desocupados, iguais a mim, a fim
de escaparem do tédio de viver. Preferi fugir do meu tédio ao
meu modo. Permanecer nas filas de espera dos bancos, encontrar com outros amigos
e ficar conversando com eles foi a maneira mais cômoda e fácil
que encontrei.
A princípio, cumpria religiosamente aquela missão que eu mesmo
me atribuíra. Desde quando começaram as minhas dificuldades financeiras,
passei a deixar de efetuar os pagamentos e a gastar o dinheiro. Obviamente,
ninguém mais queria aceitar os meus "favores". Ninguém,
não! Havia um amigo de infância que se tornou político influente
e morava na capital da República. Era um dos raros políticos absolutamente
honestos que vim a conhecer. Vivia exclusivamente dos seus proventos de parlamentar,
mas tinha um vultoso seguro, o qual seria o único patrimônio dos
herdeiros depois da sua morte.
Era uma das poucas pessoas que não conheciam o meu caos financeiro nem
os meus calotes. Confiava em mim mais do que nele próprio e a prova disto
é que me encarregou de pagar as mensalidades do prêmio do seu seguro
de vida. Para isto remetia, a cada mês, o valor equivalente. Era, para
mim, uma quantia vultosa e, diante da minha bancarrota financeira, não
houve como evitar a tentação de ficar com aquele dinheiro todos
os meses esperando cobrir mais tarde, quando conseguisse algum trabalho. Como
se tratava de um homem relativamente jovem e sadio, nunca me passou pela cabeça
que lhe viesse a acontecer o que de fato aconteceu ontem. Isso mesmo - teve
um infarto fulminante e morreu. Já decidi o que vou fazer também.