A Garganta da Serpente
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O Dia da Mulher

(Raymundo Silveira)

Hoje não vou trepar com seu ninguém. Pode achar ruim, me bater, ameaçar de não pagar a prestação da máquina e até sair atrás de rapariga, como fez da outra vez. Mas eu não me acostumo. Me amanso às vezes. Mas num me acostumo. Nunca fui mulher de traseiro alegre. Tô cheia de dor nas cadeiras, desmantelo e regras desmastreadas. Faz dez anos qui vivo servindo de penico. Cansei. Tô enojoada. Não aguento mais. Não sei o que esses homens veem naquela coisa nojenta. Meter aquele troço duro num buraco sujo. E fedorento. Só pensam nisso. Dia e noite. Só sinto dor e vontade de acabar logo. Também nunca me senti satisfatona. Sorte miserável ter nascido mulher. Acordar cedo, fazer café, cuidar de menino pra ir pra escola, fazer almoço, lavar prato, lavar roupa, passar roupa... E quando é de noite tô morta de cansada e vem aquele homem com aquela coisa dura querendo enfiar todo dia. Pra que, eu num sei... E ainda tenho que encher minha barriga de piula chega dá vontade de provocar... Dá também dor de cabeça, tonteira e vista escura. Como se num abastasse a dor nas cadeiras e a daquele pedaço de coisa dura me socando... Entrando e saindo; metendo e tirando quiném mandipilão... Pra no fim escorrer aquela porcaria branca e fedorenta... E eu me levantar de novo... E ir me lavar de novo... E mesmo assim passa a noite escorrendo junto com um escorrimento fedorento a peixe pôde queutem desde quando era moça virge e nunca doutor nenhum acertou cumquié. Já me tratei em tudo qué médico. Faço duas vez por ano um tal de preventivo que num serve de nada. Quéquiadanta preventivo se a doutora passa uma porrada de remédio e eu num posso comprar? Já me lavei até com a casca da aroeira misturada com sal e vinagre... Um dia eu pensei que era pra despejar o vinagre puro dentro da minha xoxota e me queimei toda que levantou umas papoca... Depois a médica ainda foi brigar comigo. Vei com mil ignorança. Perguntou por que eu não botei também alho e pimenta do reino... Não explica direito. E depois quéqui a gente aprenda quié pra despejar só o vinagre na água morna... Um dia eu fui perguntar se era mesmo na água morna e ela vei cum mais ignorança ainda: Minha filha pode se assentar até dendágua gelada, mas ferva primeiro. Queria ver a bunda branquela daquela égua assentada numa bacia com água gelada. Às duas horas da madrugada. Depois de ter trepado à força só pra amansar macho brabo... E ainda tive sorte de num ter ficado prenha outra vez. Foi num dia que eu me esqueci de tomar a piula e se num fosse um doutor que queria ser vereador e me escutou dois minutos e me deu duas piula preu engolir logo duma vez, já ia no sexto. Quando pari o mais novo tava doida pra mandar fazer ligação. A doutora num quis fazer porque eu ainda sou muito nova. Mas aposto qui ela, qui é mais nova do que eu, e tem dinheiro pra sustentar menino, já desligou as dela há muito tempo... E se eu tivesse dinheiro ela desligava, como eu vi a cumade Luisa qui ajuntou dinheiro um ano todo pra fazer desligamento e num instante fizeram. Tenho pena das minhas filhas. Deviam tudo ter nascido macho como os irmãos. Macho num sofre nada. Só faz aquele vucovuco de noite, despeja aquela coisa grudenta dendagente, vira pro outro lado e dorme quiném animal... Se quando eu tava prenha delas soubesse que iam ser mulher tinha dado um jeito de arrancar nem qui fosse enfiando uma agulha de fazer crochê ou um arame. Mas mulher elas num nasciam...

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