A esposa tinha um amante e ele sabia. Mas fingia que não sabia. Ela não
sabia que ele sabia. Fingia por vários motivos. O maior de todos não
era ciúme: era revolta. Revolta contra uma lei que, para ele, era iníqua.
Ter de sair da casa que era sua: um imóvel que levou meia vida para adquirir.
Ser obrigado a pagar pensão alimentícia. Antes, costumava zombar
de um colega de trabalho cuja ex-mulher ia todo santo mês, com o amante
a tiracolo, espremer metade do seu suor.
Então, a hipótese de divórcio estava afastada. Pensou noutra:
matá-la. Era uma solução honrosa, financeiramente vantajosa
e havia a chance da impunidade. No passado, os advogados de defesa apegavam-se
à tese da legítima defesa da honra, em circunstâncias semelhantes.
E os jurados sempre foram sensíveis. Agora, porém, muita coisa
havia mudado. Os movimentos feministas estavam pressionando cada vez mais. Na
maioria dos julgamentos, as militantes impunham a condenação.
Houve um caso em que a pressão foi tamanha, que o réu sofrera
um ataque cardíaco e morreu.
Continuou simulando. Não deixava transparecer o menor ressentimento.
Mas nunca parou de premeditar uma saída. Por mais que se esforçasse
só via uma. Faltava planejar tudo para que não existisse a menor
suspeita. Primeiro, substituiu as pílulas anticoncepcionais da mulher
por outras de aspecto semelhante. Só que continham talco em vez de hormônio.
Dentro de pouco menos de seis meses ela engravidou. Tentou abortar e ele a impediu.
A princípio, através de chantagem emocional. Depois, ameaçou
denunciar à justiça. Alegava que só tinham três filhos
homens e ambos sempre sonharam em ter uma menina. Aquela era a última
chance.
Nasceu uma menina. Não tinha a menor ideia se o pai era ele ou
o comborço. Isto já não fazia a menor diferença.
A criança crescia e era louca por ele. Chamava-o de paizinho. Ele simulava
também corresponder àquele afeto. Na verdade, sentia engulhos
quando ela o acariciava. Ainda assim, a tratava de minha bonequinha. Fazia tudo
para cativá-la. E conseguiu. Saíam sozinhos. Iam ao zoo,
ao circo, à sorveteria, à montanha russa... Já tinha completado
quatro aninhos. A mãe se sentia segura e cada vez mais se entregava ao
amante. Não havia mais motivo para temer tanto o marido. Aliás,
estava quase certa de que ele já sabia e disfarçava. Menos pelo
motivo com que ele, de fato, o fazia. Mas porque presumia que a afeição
pela filha substituíra o ciúme.
Enquanto isso, sua mente era um programa de computador. A repulsa pela garota
era quase intolerável. Só o sentimento de ódio e a vontade
de vingança o faziam suportar. Quando a pequena completou cinco anos,
decidiu agir. Pôs a criança no carro e pegou a autopista. A uns
seis quilômetros da cidade, desviou para uma estrada deserta, sem asfalto,
ladeada por matagais. Subiu uma pequena montanha. Lá de cima se podia
avistar um imenso lago artificial. "Paizinho, quero fazer xixi".
Parou o automóvel e esperou. A menininha procurou um local mais discreto.
Quando voltou encontrou o pai deitado de costas no chão e um brutamontes
com uma pedra enorme preste a lhe esmagar a cabeça. Correu para o local.
Suas perninhas curtas pareciam não levá-la a lugar algum. À
custa de muito esforço empurrou o brutamontes que deixou cair a pedra
ao lado dele. Então, o bandido sacou um revólver e descarregou
na sua cabecinha.