A Garganta da Serpente
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Três Casais

(Raymundo Silveira)

- Está dormindo profundamente. Pus quatro Dormonid no suco.

- Mas não estou com muita disposição...

- Disposição ou coragem? Não venha me dizer que agora virou um covarde.

- Nunca mais repita esta palavra! Jamais deixei de ter coragem, mas também nunca matei um homem a sangue frio. Ainda mais dormindo.

- Pois beba um copo de uísque; a garrafa está debaixo da pia.

- Não sei...

- Vou buscar; espera um pouco.

- Pega, bebe. Engole tudo de uma vez; assim terás toda a coragem do mundo... Toma, bebe logo isto...

- Sei não...

- Como sei não? Há mais de um ano planejamos isto e vais querer falhar na hora agá? Toma, bebe logo.

- Acho que agora criei marra. Cadê a peixeira?

- Não pode ser a peixeira. Iria ensopar o meu quarto de sangue. Jamais daria conta de lavar este carpete. Além do mais, esta cama e este colchão são novos. Comprei-os na semana passada.

- E Como tu queres que eu dê um fim no canalha deste teu marido?

- Tem de ser por estrangulamento.

- Por estrangulamento não dá. Ele acorda e fica se batendo. Além de muito esforço há o perigo de ele não morrer logo e...

- Está dizendo isto porque não me ama.

- Como não te amo? Queres prova de amor maior do que matar um homem dormindo a sangue frio?

- Pois faz como quiseres. Se entenderes de desistir não tem importância. Eu falo com o Avelino.

- Quem é Avelino?

- Um sujeito muito macho que mora perto daqui. Ele só faz isto por dinheiro, mas para mim fará de graça.

- Estás querendo me cornear?

- Não! Só tô dizendo que acho que tenho de encontrar um homem mais macho.

- Estás dizendo que não sou macho?

- Pelo menos não está parecendo...

- Me dá logo a peixeira.

- Já disse: a peixeira não. Isto aqui vai ficar pior do que açougue.

- Pois vai ter que ser assim mesmo. Depois tu te vira. Ninguém me acusa de não ser macho.

- Terminou?

- Sim, acabei com ele. Só estrebuchou um pouco. Depois tu lava estas merdas. Me dá mais um copo de uísque. E nunca mais ameace de me botar chifre e dizer que não sou macho.





- Querida, Vamos passar este fim de semana na praia. Nunca mais saímos de casa.

- De onde tu vais tirar dinheiro?

- Não precisa. Vamos para uma praia deserta e armamos uma barraca.

- Pode ser perigoso.

- Não há perigo. Esta praia é totalmente deserta. Ninguém vai lá.

- Desde quando tiveste "caso" com aquela mulher nunca mais me levaste para lugar algum. Porque queres fazer isto agora?

- É que estou com saudade dos velhos tempos.

- Nosso mal foi nunca termos tido filhos. Crianças unem os casais.

- Por outro lado, filhos são também fontes de aborrecimentos e despesas.

- Pronto. Aqui tá bom.

- Deserto demais para o meu gosto.

- Assim curtiremos melhor a natureza. Podemos ficar nus.

- Não. Não tenho coragem.

- Pra que coragem? Aqui não passa ninguém.

- Então vou entrar no mar. Há muito tempo não pego uma onda. Depois vou me deitar um pouco para aproveitar o resto de sol.

- Enquanto isto vou aqui em Paracuru comprar algo para bebermos e comermos.

- Não precisa. Eu trouxe tudo.

- Mas esqueceste de trazer a minha cerveja. Vou pegar umas garrafas geladas.

- Tenho medo de ficar só...

- Não há por que ter medo. Ainda são cinco da tarde. Aqui não passa ninguém. Dentro de quinze minutos estarei de volta.

- Vem logo, por favor. Estou com um pressentimento ruim.

- Volto já.

- Pode ir Apolinário. Ela está sozinha. Vê se dá só uma paulada para ela não sofrer. Enterra o corpo bem fundo.

- E então?

- Tive de dar três pauladas. Ainda ficou arquejando. Mas eu enterrei assim mesmo. Passa pra cá o meu dinheiro.





- Pronto. Já me enrabaste. Agora é a minha vez.

- Tá pensando o que cara? Que eu tenho cu pra fuxico?

- Mas não foi assim que combinamos.

- Pouco importa padreco. Jamais vais comer meu cu.

- Por favor, não me chame de padreco. Se me virem aqui e souberem que sou padre jamais terei sossego na vida. Veado já é discriminado. Todo mundo despreza. E se o povo souber que o seu pároco é homossexual será o meu fim.

- Então passa pra cá mais quinhentas pilas se quiser que eu fique calado.

- O quê? Não foi nada disso que combinamos. Fiquei de te dar duzentos e cinquenta, mas com a condição de depois ser a minha vez. Como não estás disposto a deixar só vou te pagar duzentos...

- Nem pensar padreco. Vou espalhar na vila e em toda a redondeza da tua paróquia que tu és um veado safado e que eu como teu cu.

- Por favor, não faça isto!

- Então passa pra cá os duzentos e cinquenta da enrabada e mais quinhentos para eu ficar calado.

- Não tenho mais do que trezentos...

- Então já sabe, eu vou...

- Um momento. Agora lembrei que no porta luvas tem um dinheiro que recebi do Estado e não me lembrava.

- Pois vai buscar logo Traz o carro pra cá. Mas vem com calma. Estou te vigiando. Se tentar fugir eu te mato. Se não matar agora, mato amanhã; ou depois de amanhã... Depois que eu espalhar nas igrejas quem tu és, na hora do sermão... Devagar Padreco! Devagar porra! Está louco? Aiiiiiiii... Padreco filho... Da puta. Tu me mataste, desgraçado...

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