A Garganta da Serpente
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Gadabra-Drabyathylon

(Rogério Silvério de Farias)

1

Os mistérios da mente! Eles estão estreitamente ligados aos mistérios do sobrenatural, não resta a menor dúvida. Contudo os fanáticos e presunçosos do Materialismo e os cães de guarda da ortodoxia científica, numa visão egocêntrica, cética, dogmática e por vezes debochada afirmam e reafirmam que as aparições do outro mundo não passam de cintilações mórbidas de mentes abaladas pela alucinação, pelo delírio ou pela perturbação mental ou loucura.

Durante muito tempo pesquisei os mistérios sobrenaturais, principalmente as materializações de entidades não-humanas no plano físico.

Estudei vários livros ditos proibidos, como o Necronomicon, o terrível Opus Daemoniun, o Liber Logaeth, entre tantos e tantos outros.

Nas páginas do conhecimento arcano, conheci lugares e divindades extrafísicas, deuses e demônios arcaicos, como o carniceiro Czuluhtulgramatus, também chamado apenas de Czuluh, um ser meio humanóide e meio polvo; conheci também a lendária Zarkália, além das fronteiras esotéricas dos sonhos; conheci o terrível, necrófago e assassino de inocentes chamado Gadabra-Drabyathylon.

É sobre esse último que falarei neste meu relato. Estou digitando tudo no computador, e logo enviarei por correio eletrônico a vários amigos e familiares e principalmente a meu amigo na capital. Meu amigo se chama Leopoldo Sversh, e ele é advogado e saberá o que fazer por mim. Estou aqui em meu sótão, na modesta casa em que habito, próxima do mar, na assombrada cidade de Maremontes.

Coisas estranhas andaram acontecendo em Maremontes. Uma força foragida dos confins do Além, eu tenho certeza. Do Além ou do Inferno!

Tudo começou naquela noite de inverno, quando o vento sul e a garoa tornava tudo ainda mais melancólico e sombrio em Maremontes.

Já passava das dez horas da noite quando alguém bateu na porta. Desci a escada em caracol. Fui averiguar. Era uma senhora de semblante assustado, visivelmente controlando seu pranto de desespero. Fi-la entrar, cavalheirescamente.

Tratava-se de dona Zulmira de Castro. Na verdade ela estava aterrorizada, quase não conseguia falar.

- Senhor Rogério...Pelo amor de Deus, estou desesperada! Só o senhor pode me ajudar!...Eu sei, e toda Maremontes também, que o senhor pesquisa fatos do sobrenatural, coisas do outro mundo, por assim dizer...Rogo-lhe que me ajude, Senhor Rogério!...Senhor Rogério, minha filha Jacinta, de 16 anos...Algo se passa com ela, algo muito estranho, algo terrível...Algo que não é normal...Algo sobrenatural! Pelo amor de Deus, o senhor é o único que pode me ajudar...Tentei falar com o padre Jeremias, mas ele disse que não faz exorcismos, além de seguir a filosofia do Padre Quevedo, disse-me que isto é um caso para psicólogo ou psiquiatra...

- Não posso garantir que terei a competência para ajudar sua filha, no entanto, estou à sua disposição para o que for preciso...De fato me interesso por esses fenômenos ditos sobrenaturais ou paranormais - falei, acabando de tomar uma dose de conhaque para afugentar o maldito frio do Sul.

- Oh, Deus lhe pague, senhor Rogério! O senhor é minha última esperança!... Venha comigo, por favor!...

-Está bem, irei pegar minha jaqueta negra de couro, meus óculos escuros e minha maleta contendo apetrechos específicos para tais casos.

- Sim, eu espero o senhor se aprontar. Iremos de táxi, o Valdemar está nos esperando. Valdemar é o chofer do táxi.

-Ótimo. Iremos já, só espere eu tomar um banho rápido e me vestir, certo?

2

A casa onde a senhora Castro morava era simples, ficava no alto de um morro. A chuva cessara, contudo, com a lama a estrada de chão batido ficara quase como um atoleiro instransponível. Valdemar, bom motorista que era, conseguiu subir, embora com certa dificuldade.

A senhora Castro pagou a corrida a Valdemar, e este, um negro de feições amistosas, ofereceu-se para ajudar; no fundo queria presenciar o que eu iria fazer para tentar ajudar a filha da pobre mulher.

A senhora Castro estava empolgada e esperançosa com a minha presença ali, no recinto de sua humilde morada.

- Graças a Deus o senhor aceitou em vir. Eu acredito no senhor!...Apesar de todos em Maremontes dizerem que o senhor é um tipo excêntrico, um solteirão que acabou enlouquecendo de tanto ler sobre coisas do sobrenatu...Oh, senhor Rogério, desculpe-me, não quis ofender a sua pessoa! Desculpe-me!...Mas é o que as pessoas comentam sobre o senhor...

- Ora, não foi nada. Estou acostumado com as fofocas da cidade. Entendo perfeitamente.

- Então vamos entrar no quarto, senhor Rogério.

Ela abriu a porta do quarto da filha com vagar.

Valdemar viera conosco, os olhos do bondoso negro ficaram esbugalhados.

Ele fez o sinal da cruz ao ver a mocinha sentada na cama. Murmurou, assustado:

- Em nome do senhor Jesus, o que é isso! O que está havendo com essa menina?

Ali estava ela. Jacinta. Aparentemente possuída por uma força maligna. Estava pálida, tinha olheiras horríveis, os olhos estavam esgazeados como que num transe onde se pode olhar com os olhos da mente os precipícios pestilentos além das sombras do Inferno. Vez por outra Jacinta vomitava, expelindo um líquido verde, meio fosforescente e insuportavelmente fétido. Também dizia obscenidades, palavrões terríveis a todos os presentes, sendo que os mais cruéis eram dirigidos à minha pessoa.

- Mãe, sua puta velha! Sua vagabunda do caralho! Trouxe também um negro filho da puta, é?...Então é este o tal Rogério...O escritor e celibatário dado a pesquisas esotéricas...Ah! Ah! Ah!... O filho da puta não é padre, eu sei!...Seu filho da puta!...Ela é minha, Jacinta é minha, vou comer o rabo dela, está me ouvindo?...Eu, Gadabra-Drabyathylon voltei para esta porra de mundo outra vez, e desta vez quero comer o rabo desta putinha onde estou "hospedado"!...Eu estou dentro dela, ouviu, seu filho da puta! Você não vai me tirar de dentro dela, porra! Vai se foder, vai tomar no seu rabo!...Vai querer bancar um padre e fazer exorcismo, é? Seu filho da puta!...

A senhora Castro pediu desculpas ao Valdemar e a mim pelo linguajar chulo da garota; eu e Valdemar prontamente entendemos a situação. Era um caso de possessão demoníaca. Até mesmo um leigo como Valdemar pode perceber.

Pedi que a senhora Castro e o senhor Valdemar me deixassem a sós com Jacinta. Estava tudo bem, eu trouxera minha valise com meus apetrechos místicos. Eu daria um jeito em arrancar aquela entidade espiritual das trevas do Inferno de dentro de Jacinta.

Eles dois se foram e eu fiquei a sós com Jacinta. Sentei-me ao lado da cama. Coloquei a valise na mesa-de-cabeceira. Retirei meus óculos escuros, colocando-os no bolso da jaqueta de couro negro que eu trajava.

Jacinta, ou melhor, aquela coisa abominável dentro dela gargalhou de um modo insano e diabólico e , de cócoras sobre o leito, começou a urinar e defecar por alguns instantes.

- Você quis ficar sozinho com Jacinta pra poder olhar e examinar a boceta dela, não é seu filho da puta? Deseja tocar nas tetinhas dela, seu porco hipócrita! Confesse! Você sente desejo pelo corpinho virgem dela, seu filho da puta! - disse o demônio ou divindade sinistra dentro de Jacinta, fazendo-a erguer a camisola e mostrar suas partes pudendas, úmidas de urina. - Ela é minha, seu filho da puta! Esta boceta é minha! Jacinta pertence a Gadabra-Drabyathylon, aquele que rastejou das covas negras das montanhas dos deuses gargalhantes! Vou comer ela, pela frente e por trás! Ah! Ah! Ah!...

Abri a maleta e retirei de dentro o frasco contendo um pouco de água benta que eu pedira uma vez para o padre Jeremias, proibido pela igreja de praticar ou tentar qualquer tipo de exorcismo.

Gadabra-Drabyathylon, usando as cordas vocais de Jacinta continuava me insultando:

- Quem você pensa que é, seu filho da puta imprestável?...Quantas masturbações você tocou debaixo do chuveiro antes de vir para cá, hein, seu merda?...

Desferi-lhe uma violenta bofetada diante do insulto à minha pessoa, e Jacinta acabou caindo de lado na cama, mordendo de raiva o travesseiro, babando-se toda como um cão hidrófobo.

Falei:

- Seu espírito imundo das cloacas do Inferno! Em nome de todas as forças do Amor, em nome de todas as forças de Deus! Cale-se!...Em nome do Cristo todo-poderoso! Cale-se!

Abri a tampa do frasco contendo a água benta. Falei:

- Olhe para mim, seu vagabundo do Inferno! Demônio das fossas do Além!

Deitada de lado, Jacinta virou, sorriu, depois soltou uma gargalhada junto com várias flatulências de um fedor insuportável.

- Cheire os peidos desta vaca, seu solteirão filho da puta! Eu sei porque você não casou ainda, seu filho da puta! Quer comer todas as bocetas do mundo, seu filho da puta! Sinta o aroma do rabo da Jacinta! Cheire os fedores internos desta putinha! Ah! Ah! Ah!

Comecei a respingar várias gotas do frasco contendo a água benta sobre o rosto de Jacinta, enquanto dizia em tom solene:

-Sai deste corpo, Gadabra-Drabyathylon! Em nome de Deus, saia!...EU TE ORDENO! Em nome de Júpiter, pai dos deus, eu te conjuro, " TE VIGO COSILIN! TE VIGO COSILIN!"

Jacinta ficou com o semblante circunspeto e sentou-se sobre o leito. Fitou-me por um momento. Depois soltou uma gargalhada estridente e sarcástica que retumbou no silêncio do quarto. Era uma gargalhada insana, quase como o som de uma hiena enlouquecida.

- Ah! Ah! Ah!...Seu pateta ridículo! Não vai ser essa porra de água benta que vai me tirar de dentro desta putinha aqui! Água benta para Gadabra-Drabyathylon é mijo do tal Cristo!

Dei-lhe, desta vez, um soco no rosto de Jacinta que a fez cair de vez na cama.

Ela começou a chorar. Eu me arrependi e comecei a acariciar seus cabelos, pedindo-lhe desculpas:

- Oh, meu Deus, o que foi que eu fiz!...Jacinta, perdoe-me, meu anjo atormentado!... Perdoe-me, minha jovem!...

Ela parou de chorar e me fitou:

-Me ajuda, senhor Rogério!... Ele está me comendo por dentro, ele está me corroendo como ácido por dentro!...ELE ESTÁ ME DERRETENDO POR DENTRO COM O FOGO DO INFERNO!

Beijei-lhe a testa.

Ela subitamente fez uma careta e esticou sua língua para fora, uma língua que esticou tanto que chegou a medir meio metro. A língua procurou minha boca com a intenção de me dar um beijo lascivo, mas eu consegui me desviar. Notei que na língua dela havia uma quantidade de pequenos vermes pululando! Deus todo poderoso, o que estava acontecendo com Jacinta? Que era aquilo!

Enfurecido, indignado, busquei em minha maleta o apetrecho que eu deixara para o caso de última necessidade. Era um aparelho que eu mesmo inventara. Lembrava uma lanterna, no formato. Só que ao invés de luz emitia um som muito agudo junto com uma quantidade ínfima de raios laser e raios eletromagnéticos, os quais, unidos, afetariam ou fariam vibrar, pelo menos eu acreditava, todo o cerne da glândula pineal de Jacinta, despertando-lhe ou abrindo-lhe de algum modo a consciência espiritual. Eu chamava esse aparelho de Catalisador Esotérico Vibratório, e seria a primeira vez que eu iria testá-lo!

O demônio ou divindade antiga dentro de Jacinta indagou através da voz da jovem:

- Que porra é essa daí, seu filho da puta? É o vibrador que a tua mãe usava quando era solteira e não tinha macho para saciá-la? Ah! Ah! Ah!

Acionei com raiva o botão. Um jorro de energia eletromagnética mesclada ao raio laser e o som agudo atingiu a cabeça da jovem que gritou loucamente como se atravessada por uma eletricidade do Inferno.

A senhora Castro entrou quarto adentro, apavorada, querendo saber o que estava acontecendo. O senhor Valdemar a seguira, os olhos arregalados, sempre se persignando.

A coisa horrenda dentro de Jacinta falou, sempre num tom gutural e diabólico:

- Você me paga, seu filho da puta maldito! Você está conseguindo me tirar de dentro desta puta aqui, mas você me paga! Se não posso mais me hospedar no corpo desta vaca, vou matá-la! Entendeu? VOU MATAR ESTA VACA!...

A pobre senhora Castro, apavorada, enlouquecida, começou a gritar.

A casa toda começou a tremer, como que abalada por um terremoto do Inferno. Os móveis balançavam, as paredes tremiam. Começaram a surgir misteriosamente pequenas chamas nos cantos da casa, e logo se alastraram como pequenos demônios ígneos até alcançarem as cortinas.

Jacinta emitia guinchos horripilantes, gritos terríveis, medonhos. Valdemar, apavorado gritava junto com a senhora Castro.

Da boca de Jacinta jorrou uma grande e forte quantidade de vômito fétido e quente que me atingiu no rosto, emporcalhando-me todo.

Era um verdadeiro pandemônio do Inferno, o quarto, e eu estava ali, dentro daquele caos demoníaco!

Subitamente, o corpo de Jacinta começou a tremer, caído sobre o leito, como que num ataque epiléptico de proporções inacreditáveis.

Então de repente seu corpo parou, ficando rígido como um cadáver. De repente todo o seu corpo começou a derreter como sorvete ao sol do verão, as carnes derretendo como que atingidas por um fogo selvagem e invisível, até só sobrarem os ossos da infeliz Jacinta, bem como suas vestes manchadas de sangue, fezes e urina.

A senhora Castro não suportara aquela visão dantesca. Ataque cardíaco fulminante. O senhor Valdemar perdera o juízo para sempre. Estava caído ao chão, em estado catatônico, os olhos arregalados de um pavor que não vinha deste mundo, mas das esferas negras e abissais dos confins amaldiçoados do Inferno!

E de repente, dos restos pútridos, fumegantes e derretidos daquilo que outrora tinha sido a jovem Jacinta, evaporou-se uma forma horrível e aparentemente etérica e fosforescente que, como um pequeno cometa, disparou pelo quarto, estilhaçando a janela e perdendo-se na escuridão da noite.

Eu, boquiaberto e trêmulo, com o meu Catalisador Esotérico Vibratório na mão ainda pude ouvir um som que mais parecia um grito medonho saído das cavernas do Além:

"Eu, Gadabra-Drabyathylon voltarei em breve pra te matar, Rogério, seu porco miserável do lodo da Terra!"

Peguei a minha valise e saí correndo dali, daquela casa de loucura e medo que então já ardia totalmente, engolida por chamas vorazes que bailavam ao sabor do vento como bailarinas do Inferno, enquanto trovões assustadores e relâmpagos sinistros se aproximavam cada vez mais.

3

E agora, de volta a minha casa, esperando pela chegada da Polícia penso no que direi. Enviei o e-mail ao meu advogado e amigo, na capital. Mas acho que é tarde demais.Sim, é muito tarde. Não há mais nada a fazer. Já ouço ao longe a sirene do carro da Polícia. Na certa pensam que fui eu que matei Jacinta com meu Catalisador Esotérico Vibratório. Pensam que fui eu que ateei fogo na casa. Algum vizinho idiota deve ter me visto sair correndo da casa em chamas e telefonara à Polícia.

Alguma coisa me diz que se eu for para trás das grades, até lá o maldito Gadabra-Drabyathylon irá me pegar. Maldição do Inferno! Não tenho mais saída!

Então pego o revólver dentro do armário. Desço a escada do sótão correndo. Vou até a frente da minha residência. Está chovendo muito, agora. Trovões, relâmpagos. Frio. Muito frio, um vento sul gelado. Estou desesperado e enlouquecido.

Coloco o cano da arma debaixo do meu queixo e murmuro, antes de apertar o gatilho:

- Ó Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim!...

Antes de morrer para este mundo ouvi o estampido soando junto com o trovão selando minha sorte e meu destino. Que Deus tenha misericórdia de minha pobre alma atormentada!

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