Aquela cidade lhe trazia recordações do seu tempo de criança.
Os pés descalços a correr pelas ruas de terra batida, o cabelo
loiro e liso balançando com as lufadas do vento carregado de poeira vermelha,
o vestido de retalhos e o broche torto que ela havia achado no lixo próximo
à sua casa de porta e janela. Ela também lembrou do telhado velho
que quando chovia deixava a casa alagada, fazendo sair das frestas do assoalho
um batalhão de baratas e ratos. Lembrava dos gritos de sua madrasta,
uma gorda que cheirava a polvilho azedo e gordura de porco. - "Venha logo
sua vagabundinha, a casa está um chiqueiro e eu não tenho tempo
pra arrumar!"
Ela estava parada e diante seus olhos, passava aquele filme de terror que fora
sua infância. Vinte anos haviam passado, e aquelas imagens eram reais,
pareciam estar acontecendo naquele momento. Uma lágrima teimou em sair,
mas ela a conteve...
Maria Tereza morreu ao dar a luz a uma menina linda. Não teve tempo de
contemplar aqueles olhos amarelos, nem sentir aquela pele macia como veludo
ou mesmo ter em seus braços aquele montinho cor-de-rosa de gente, não
pôde dar o seu leite materno e tampouco ouvir a palavra mãe.
Augusto Bernardino estava desesperado no salão frio do hospital, as unhas
encravadas na carne, fazendo um filete de sangue escorrer pelos braços,
gritando e blasfemando: - "Deus miserável! Você é um
invejoso, roubou de mim o meu maior tesouro, levou o meu amor, e agora eu O
desprezo!" As palavras do jovem marceneiro eram duras e extravasava todo
o ódio que saía de sua alma calejada de infortúnios.
Augusto recebera a notícia que seria pai, numa sexta-feira, meia hora
antes de sair do trabalho. Maria Tereza chegou usando seu melhor vestido. Era
um vestido de cetim rosa com uns riscos verdes e azuis, ela sabia que Augusto
adorava aquele vestido e só o usava em ocasiões especiais.
- Oi meu amor! - disse Tereza com um largo sorriso.
- Que surpresa é essa? - perguntou Augusto, meio atrapalhado.
- Tenho que lhe contar uma coisa...
- O quê é ? Fala logo mulher! - Augusto estava impaciente.
- Eu não aguentei esperar você chegar... é que... -
Ela fez uma pausa, fazendo um certo mistério.
- Fala logo! - Augusto era extremamente ansioso, não suportava joguinhos
de mistério.
- Estou grávida! - Respondeu rispidamente.
Augusto sentiu os pés deixarem o chão, parecia estar flutuando,
os pensamentos divagaram e ele quase sofreu um acidente com a serra.
- Eu vou ser pai?! - Ele não acreditava - Meu amor... obrigado, agora
sou o homem mais feliz do mundo, sou um homem completo. - Augusto chorava.
E agora, no salão frio e pálido do hospital, ele brigava com Deus.
Augusto relutou em ver sua filha, ela não era sua filha, era um monstro,
uma assassina, a assassina do seu amor... Eram esses seus pensamentos, mas ao
fim de muita insistência, acabou cedendo e foi ver a "assassina".
Como poderia uma coisinha tão pequena ser chamada de assassina? Ela não
tinha culpa, era inocente, e o culpado era o invejoso do Deus... - Pensou.
A menina recebeu o nome de Evelin. Augusto tentava ser amoroso com a pequena,
mas não conseguia. A lembrança da morte de sua amada Tereza o
fazia tremer e um sentimento inexplicável apossava do seu corpo, transformando-o
em um monstro de feições sombrias. Ele havia se trancado num mundo
particular, num mundo de sombras e tristezas.
Augusto não conseguia mais viver sozinho e cinco anos após a morte
de Tereza, amasiou com uma cozinheira gorda que trabalhava no restaurante da
esquina. Era uma mulher muito feia, um corpo sem formas, uma pele branca e encardida,
tinha poucos dentes e ainda eram podres e o pior, exalava um cheiro insuportável
de polvilho azedo, seu nome era Ivone, e conquistou o sofrido Augusto não
se sabe como.
Augusto havia se transformado numa espécie de ser mecânico, acordava
às seis horas ainda embriagado, ia para o trabalho e chegava às
oito horas da noite bêbado, tomava um banho e ia dormir. Daquele homem
forte de outrora não sobrara nada, era apenas um vulto cadavérico
que insistia em brigar com Deus.
A rotina da pequena Evelin aos cinco anos de idade era desgastante. Era obrigada
a fazer todo o serviço da casa, limpava, varria, lavava, enquanto a gorda
ficava debruçada sobre o umbral da janela, matraqueando sobre a vida
alheia e esperando os inúmeros homens que vinham visitá-la.
Um dia ela recebeu um "amigo", era um tal de Zé João,
um negro de quase dois metros de altura e a fama de ser um animal na cama.
A gorda Ivone estava no quarto com o tal Zé João, ela gritava
obscenidades, enquanto a pequena Evelin varria o chão imundo da casa.
Ao passar pelo quarto, a menina parou em frente à porta. Aqueles gritos
ecoavam de uma maneira estranha que ela não sabia o que era, foi quando
empurrou a porta e viu uma cena que jamais sairia de sua cabeça. Ivone
estava nua, a cabeça apoiada no colchão e aquela bunda enorme
sendo montada por um homem imenso que batia com força, fazendo as nádegas
tremerem como se fossem feitas de gelatina, a mulher gritava, urrava e o homem
gritando e batendo. Evelin ficou paralisada, as mãozinhas escoradas no
marco da porta, e aquela carinha angelical assustada, tomou-se de um pavor ainda
maior, quando o homem virou e fitou-a nos olhos. Aquele monstro nem sequer se
importou com a presença da pequena, segurou seu membro em riste, era
algo assustador o tamanho daquela "coisa", e veio em sua direção,
com uma voz rouca, disse: - "Oi fofinha! Vem brincar com o tio!" A
menina sem saber o que estava acontecendo, começou a chorar, chorava
silenciosamente, sem emitir um ruído sequer, então, o homem parou
ao som do grito da gorda:
- "Seu porco! Que diabos pensa que vai fazer? Você vai me trocar
por este pedaço de gente? Saia daqui! Saia agora!"- A mulher estava
histérica.
O homem vestiu suas roupas, resmungou alguma coisa e saiu.
Ivone não se deu nem ao trabalho de vestir suas roupas e foi logo agarrando
a menina pelo braço e espancando-a, batia com violência, mas a
menina não emitia nenhum ruído, ela intensificou a surra, e foi
batendo, batendo até que percebeu que aquele corpinho estava mole, não
esboçava nenhuma reação, a menina estava inconsciente.
Ela sacudia o corpo pálido e gritava:
- "Não morra, sua peste! Você precisa viver! Acorda sua vagabunda!"
A pequena estava deitada na cama, o corpo com manchas roxas e vermelhas, um
fio de sangue escorria pelo canto direito da sua boquinha infantil, as pernas
tremiam, o corpo todo tremia. A gorda Ivone estava ao lado, com uma bacia d'água
passando um pano pelo corpo da pequena.
Augusto não se dava conta das barbaridades que ocorriam em seu lar. As
surras que a gorda aplicava na pequena eram constantes, os serviços domésticos
eram cada vez mais pesados, seu pequeno corpo carregava cicatrizes e sua alma
inocente um grande vazio. Mesmo assim, ela não reclamava de nada, nem
das surras, nem do serviço pesado, nem das bebedeiras do pai.
Na época das chuvas seu tormento era ainda maior, o telhado velho não
impedia a chuva de alagar toda a casa, e um exército de baratas, ratos
e escorpiões infestavam a casa, o fedor era insuportável e o trabalho
para limpar era doloroso, mas ela o fazia sem dizer uma palavra, sem fazer uma
reclamação sequer.
A pequena Evelin estava voltando da escola, os pezinhos descalços correndo
e pulando pelas ruas de terra batida, os lindos cabelos fulvos balançando
com as lufadas do vento carregado de poeira vermelha. Ela cantava uma musiquinha
de criança, quando viu uma coisa brilhando no monte de lixo. Ela chegou
próximo, agachou e viu um broche dourado com formas de uma maçã
mordida, o broche estava amassado, então, com a ajuda de uma pedra desamassou-o,
prendeu-o ao vestido de retalhos, soltou um suspiro de felicidade. Aquilo era
a coisa mais bonita que ela já havia possuído e foi para a casa
cantarolando de felicidade.
Havia um grande movimento em frente a sua casa, ela estranhou, pois nunca havia
gente por perto, seu coraçãozinho bateu acelerado como que pressentisse
algo.
Ao entrar pela porta da frente, viu a mais monstruosa de todas as cenas, parecia
um cenário de Edgar Allan Poe. O corpo gordo de sua madrasta estava debruçado
sobre uma enorme poça de sangue, a cabeça decepada do pescoço,
ao lado, o corpo de um homem que ela não conhecia, também sobre
uma poça de sangue, os corpos estavam nus e acima, pendurado pelo pescoço
por uma corda amarrada ao caibro do telhado, o corpo cadavérico de seu
pai, as mãos sujas de sangue, o rosto com uma expressão horrorizante.
Estava acabado. A pequena Evelin estava segurando o broche torto, a mãozinha
sobre o peito, um olhar vazio, o corpo imóvel, e de seus lábios
vermelhos saiu apenas um suspiro, era um misto de alivio e dor.
A menina foi morar com uma tia, mas seus parentes não a queriam por perto.
Certo dia, sua tia lhe disse:
- "Você não deveria ter nascido! Matou sua mãe, fez
seu pai sofrer e depois o matou. Você é amaldiçoada! Não
a queremos mais aqui!"
Os insultos eram constantes, as pessoas a ignorava, chamando-a de "amaldiçoada",
"filha do demo", e outras coisas do gênero. A menina vivia jogada
pelas ruas, até que um dia uma mulher elegantemente vestida, tomada de
uma grande compaixão, levou-a para sua casa e resolveu adotá-la.
Essa mulher era conhecida como: Amélia Olhos de Serpente.
Amélia era uma mulher linda, corpo carnudo, pele morena, longos cabelos
negros, sobrancelhas fechadas realçando seu rosto fino, um nariz arrebitado
e uma boca que fazia os homens arrepiar de prazer. Seu grande poder estava em
seus olhos, era um par de olhos amarelos, iguais aos da pequena Evelin, que
intrigavam, enfeitiçavam, hipnotizavam, atraindo suas "presas".
Eram olhos de serpente, eram mortais!
Sua primeira vez, foi com um sargento magrelo e narigudo, pai de uma menina
da sua idade. Sua família passava fome, a miséria fez da bela
Amélia uma puta, era uma puta escrota, que nas noites da vida comeu o
pão que o diabo amassou...
Agora, aos trinta e poucos anos, era sofisticada, sabia usar as palavras, era
comedida em seus atos, conhecia intimamente os segredos dos homens, sabia que
eram fracos e não resistiam ao poder dos seus olhos e foram estas fraquezas
que a tornaram rica. Ela tinha o poder e o adorava, mas sua alma de mulher era
triste. Amélia era infértil. E a pequena Evelin veio preencher
aquele vazio, a menina de olhos de serpente, era sua filha.
Evelin vivia um conto de fadas, era amada e mimada, agora já não
era mais a menina triste, era uma moça linda, os cabelos eram ainda mais
fulvos, os olhos amarelos ganharam um brilho intenso, emitiam uma luz que seduzia,
enfeitiçava, o rosto cheio era uma perfeição, parecia obra
do mestre Da Vinci, corpo esculpido, pernas grossas da cor de mel, seios firmes
que apontavam para o firmamento... era perfeita, deliciosa...
Aos dezesseis anos, conheceu o amor. Era um rapaz bonito, forte, filho de um
grande fazendeiro da região, o temido Coronel Afonso Menesguetti. Um
aristocrata, que com mãos-de-ferro triplicara o império deixado
pelo pai. Era um homem severo e implacável com seus inimigos. Ao contrário
do Coronel, o jovem Eduardo Afonso Menesguetti Neto, era a generosidade em pessoa,
educado, caridoso, humilde, além de possuir o dom da poesia. Ele amava
a vida, as pessoas e os versos, não se importava com o império
latifundiário do seu pai, era avesso às luxuosas festas que constantemente
eram oferecidas na fazenda. Gostava de sentar sob a sombra do grande Ipê-amarelo
e lá, escrevia seus poemas.
Evelin era péssima em matemática, então, resolveu ter aulas
de reforço. Ao entrar na sala 101, viu um rapaz. Era um pouco mais velho,
devia ter uns dezenove anos. O rapaz era alto, forte, a pele queimada pelo sol,
cabelos negros como uma noite sem lua, um rosto bonito que emanava uma onda
de benevolência. Seu coração adolescente disparou, ela queria
voltar, mas uma voz forte como trovão, fê-la recuar.
- Ei! Volte por favor!
Suas pernas tremeram, seu corpo todo estremeceu.
- Eu... Eu... - Ela não conseguia articular uma frase.
- Você é a menina que vai estudar matemática, não
é?
- Sim. - A voz estava engrolada.
- Eu sou Eduardo, o diretor incumbiu-me do cargo...
- Você é o professor? - Ela estava assustada.
- Sim, algum problema? - perguntou sorrindo
- Não! É que ...
- Eu sou muito novo. - concluiu a frase.
- É...
- Qual o seu nome?
- Evelin... - Ela estava corada. Dois sentimentos brigavam em seu interior:
a vergonha e o desejo.
- Então, Evelin vamos começar? - Disse ele brincando
- Vamos. - O corpo dela tremia.
No começo, ele pensou que ela era só igual às outras que
só se interessavam pela sua fortuna, pelo seu nome. Mas ela era diferente,
não falava de coisas materiais, era simples, apesar de se vestir com
elegância, era inteligente, compartilhavam dos mesmos gostos e sonhos,
foi então, debaixo do pé de Ipê-amarelo que o jovem Eduardo
descobriu o amor, descrevendo-o assim:
"O amor"
Diz que o amor é fogo que arde.
Digo: é chama que invade.
Diz que o amor rima com a dor.
Digo: rima melhor com sabor
Diz que o amor é saudade.
Digo: é a mais pura verdade.
Diz que o amor e um tormento.
Digo: é o mais nobre dos sentimentos.
Diz que o amor humilha.
Digo: quem ama, compartilha.
Diz que o amor enlouquece.
Digo: ele engrandece.
Diz que o amor é ilusão.
Digo: é real, pois vem do coração.
Diz que o amor é chuva passageira.
Digo: é eterno, é pra vida inteira.
Ele percebeu que abaixo do ultimo verso, que havia escrito o nome da sua amada
Evelin. Ele estava amando e descobriu que seria eterno.
A menina não conseguia mais esconder seus sentimentos e por fim, chegou
próximo a Eduardo e falou num sussurro engasgado:
- Eu te amo! - As palavras saíram de uma vez, e ela abaixou a cabeça,
envergonhada.
Ele sorriu, seu coração estava disparado, e quase sem fôlego,
respondeu:
- Eu também te amo! - Ele estava flutuando, cavalgando nos cirros do
céu-azul.
Um beijo de amor aconteceu.
O romance estava no auge, e o amor era ainda maior. Faziam planos e mais planos
para o futuro, Eduardo lhe trazia um novo poema a cada dia, mas o poema que
o fez descobrir seu amor, estava guardado, ele a entregaria no dia do casamento.
Ele mudou sua rotina, passou a se interessar pelos negócios do pai, trabalhava
arduamente, juntando cada centavo que lhe era dado.
Eles já estavam juntos há um ano e a vontade de casar era enorme,
pois haviam feito votos de castidade, e só se entregariam completamente
na noite de núpcias. Eduardo trabalhava sem parar, não gastava
um tostão sequer, vivia suspirando pelos cantos da casa, foi quando Afonso
Menesguetti desconfiou que havia algo estranho com seu filho. Ele dirigiu-se
ao capataz da fazenda e ordenou:
- Quero que você siga o meu filho, quero saber de todos seus passos.
Como de costume, Eduardo foi ao colégio encontrar-se com a bela Evelin,
ele já havia se formado, mas todos os dias ele ia buscá-la e depois
iam para o local secreto onde ficavam até o cair da noite. Amélia
no começo ficou preocupada, mas por fim cedeu a vontade da "filha",
sempre recomendando: "Cuidado com a sua virgindade, ela é seu maior
tesouro". E a menina respondia: "Eu sei mãe, sei muito bem"...
No outro dia bem cedo, o capataz fazia o levantamento de toda a vida da bela
Evelin. Ele voltou radiante para a fazenda e no caminho, veio pensando: "O
Coroné vai ficá feliz e quem sabe me dá até um armento".
O capataz foi direto ao escritório:
- Coroné eu discobri tudo sobre a tár mocinha...
- Então vai desembuchando! - Berrou o Coronel.
- A tár moça, é fia daquele corno do Augusto Bernardino
que matô a gorda e o amante e dispois se enforcô. Diz o povo que
a menina é fia do "cão", que quando ela nasceu, matou
a mãe e desgraçô o pai, agora ela mora com uma puta de luxo,
aquela tár de Amélia Olhos de Serpente...
- Chega! Já ouvi o bastante. Vá chamar o meu filho.
- Sim, sinhô! Dá licença ..."E o meu armento, véio
filho da puta". - Pensou.
Eduardo estava em seu quarto, descansando, quando o capataz deu-lhe o recado.
- O senhor mandou me chamar?
- Mandei, sente-se. - O Coronel estava possesso de ódio.
- O quê aconteceu, meu pai? - Perguntou Eduardo.
- Tudo! Tudo o que não poderia acontecer... - Ele bateu com o punho cerrado
na grande mesa de carvalho.
- Tudo o quê? - Eduardo estava assustado.
- Eu sei de tudo, sei que você está namorando uma putinha...
- Não fale assim dela! - Gritou, Eduardo.
- Eu falo como quiser, seu moleque! Até entendo que você precisa
de uma mulher para dar umas "trepadas", mas querer se casar com uma
puta, isso eu não aceito! Ele estava furioso.
- Ela não é puta, e se quer saber, eu não "trepei"
com ela, fizemos um juramento que isso só iria acontecer na noite de
núpcias.
- Quanta ingenuidade! Você acha que uma puta...
- Já disse para não chama-la assim! - Gritou , levantando-se da
mesa.
- Senta aí moleque! - Gritou o Coronel. - Você não pode
continuar com essa besteira, esqueceu-se que tem um nome a zelar? Esqueceu-se
que é um Menesguetti?
- Eu renego! Renego nome, fortuna, renego tudo...
- Cale a boca! Você não sabe do que esta falando...
- Eu sei sim, sei que o senhor matou, roubou, fez o diabo para conseguir esse
tal poder, mas eu não quero, não quero nada que venha de suas
mãos imundas...
O Coronel levantou-se num sobressalto.
- Eu te mato, desgraçado! - Berrou.
- Prefiro morrer! Ninguém neste mundo, nem mesmo o senhor será
capaz de interferir em minha vida...
Eduardo levantou-se, os punhos fechados, e uma expressão de fúria,
brotou em seu rosto sereno.
- Ninguém, vai me impedir de ser feliz!
- Cale a boca! Berrou o Coronel, empunhando uma 45.
- Então, vai ter que me matar, pois vou me casar com a Evelin! - Disse
com convicção.
- Eu te mato, desgraçado! Eu te mato! - O Coronel aproximou-se do filho.
Eduardo sentiu um medo que nunca sentira antes.
- Eu o enfrentarei meu pai, o enfrentarei com isso!
Ele levou a mão direita no bolso de trás de sua calça,
e naquele instante sentiu sua pele queimar, alguma coisa em brasa dilacerava
sua carne, e uma nuvem sombria caiu sobre seus olhos. O Coronel estava desesperado:
- Meu filho, meu filho, fale comigo... me perdoe...
Os olhos semicerrados se abriram e Eduardo já envolvido pelo abraço
da morte, balbuciou:
- Perdoe-me, meu pai... perdoe-me por amar...
Os olhos se fecharam para sempre, e na sua mão direita estava um pedaço
de papel manchado pelo seu sangue, onde o poderoso Coronel Afonso Menesguetti
leu:
"O Amor"
Diz que o amor é fogo que arde.
Digo: Amor é chama que invade...
Afonso Menesguetti sequer leu todo o poema, encostou o cano da pistola 45 em
sua fronte e puxou o gatilho, um estampido forte e estrondoso ecoou pela imensidão
do seu império. Ele era orgulhoso demais, só Afonso Menesguetti
poderia matar Afonso Menesguetti.
A notícia da tragédia correu a cidade como um relâmpago
e na porta de sua casa a bela Evelin a recebeu de um moleque que passara na
rua:
- Cê tá sabendo da história que aconteceu hoje de tarde
na fazenda "Império"? O Coroné Afonso, matô o
sinhozinho Eduardo e depois se matô...
Ela acordou, o lugar era estranho, um silêncio assustador, as paredes
brancas e um forte cheiro de cloro invadia seu nariz.
- Onde estou? Perguntou com voz sonolenta.
Amélia deu um pulo.
- Graças a Deus! Meu anjo... pensei que nunca mais ia ouvir sua voz...
- Eduardo... onde ele está? Tive um sonho horrível...
Amélia abaixou a cabeça.
- Mãe ... não me diga que é verdade...
- Infelizmente minha filha, foi uma tragédia...
Dois anos haviam passado, Evelin era ainda mais linda, o corpo havia tomado
suas formas definitivas, era uma mulher fascinante. Mais uma vez, o passado
estava guardado na memória, Eduardo era apenas uma lembrança,
apenas uma vaga lembrança.
Depois do trágico fato, Amélia mudou-se com Evelin para Belo Horizonte,
comprou uma confortável casa na Savassi, onde promovia seus encontros
de "negócios". Na casa, haviam mais quatro lindas moças
que Amélia recrutara para expandir seu empreendimento. A casa vivia cheia,
as moças e a Amélia não conseguia dar conta da demanda.
Amélia proibira qualquer homem de chegar perto de Evelin, era a única
que não estava disponível.
As "brigas" com Deus eram cada dia mais frequentes, Evelin estava
seguindo os mesmos caminhos do pai, e num dia de revolta, decidiu: - serei puta!
Vestiu um longo preto decotado que realçava roda a sua beleza, maquiou-se,
usava um batom vermelho que fez os homens da "casa" lamberem os lábios
de desejo.
- O que é isso? - Perguntou Amélia.
- Agora serei uma de vocês! É o que quero!
- Mas...você não pode...
- Amélia, o destino traçou o meu caminho e a Evelin que você
conheceu, está morta! Agora serei apenas Olhos de Serpente. - Disse a
bela com um ar de desdém.
No fundo, Amélia vibrou com a notícia, mais cedo ou mais tarde,
ela iria descobrir sua verdadeira vocação, e ela havia aprendido,
seus olhos eram mortais, eram olhos de serpente.
Amélia espalhou a notícia por toda Belo Horizonte, e no dia seguinte
havia uma grande fila para o leilão.
Os lances começaram, a virgindade daquela bela mulher tinha preço
e era alto. Ao final de quase uma hora de lances, sua virgindade foi arrematada
por um importante político mineiro que apregoava a importância
da família, pela bagatela de U$ 15.000,00. Era um homem de cinquenta
e poucos anos, cabelos cor de chumbo, corpo atlético e uma libido animal.
Foram para o quarto especialmente decorado para a ocasião, Amélia
pediu ao homem que tivesse cuidado com sua menina, e ele apenas balançou
a cabeça, mordendo os lábios.
Ela estava deitava sobre a cama redonda, usava uma lingerie branca, demonstrando
sua pureza, aquele corpo maravilhosamente esculpido, aos dezenove anos, fez
nascer no homem que estava em sua frente um desejo incontrolável. Ela
o olhou, e seu olhar o atraiu, do mesmo modo que a serpente hipnotiza e atraí
suas presas. O homem tirou as roupas apressadamente, e começou a percorrer
aquele corpo cor de mel. Ela fechou os olhos, estava usando um lindo vestido
de noiva, ao seu lado, Eduardo usava um terno preto com riscas de giz, ele estava
ainda mais lindo e a carregava em seus braços fortes. Ela estava deitada
e Eduardo fazia-lhe carícias, umedecendo seu sexo e a inundando de prazer
e paixão. Agora ela estava nua, as mãos hábeis de Eduardo
percorriam todo o seu corpo, encontrando seu sexo úmido, e sedento de
paixão. Então, ela sentiu seu membro rijo penetrando seu sexo,
num misto de dor e êxtase, e ele entrava, rasgando sua carne, sangrando
seu corpo, inundando-a de prazer. Ela gritou: -" Ah! Eduardo eu te amo!
Como te amo..." Abriu os olhos e viu aquele estranho ao seu lado, com um
sorriso nos lábios a perguntar:
- Como sabe o meu nome? Isso não importa, eu também te amo...
Agora, vinte anos depois, ela estava sentada no banco de couro do seu luxuoso
carro, os vidros pretos escondiam aquela figura, a figura de uma mulher madura,
extremamente bonita e triste. A mão direita sobre o peito, onde estava
preso o broche dourado e torto com formas de uma maçã mordida.
O filme de terror que fora uma vida, havia acabado de passar, outra lágrima
teimou em sair e ela deixou-a rolar por sua face, e num breve e triste sussurro,
disse:
- "O amor escolhe seu par, e eu não fui escolhida".
(Bela Vista de Minas, 15 de outubro 2002)