A Garganta da Serpente
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Interfaces da Dor

(Roberta Tostes Daniel)

A Internet trouxe um tipo de dor nova. Implantada. De silício. Suplício ainda mais paradoxal que a distância física. Uniu os semelhantes; e os dessemelhantes também. Trouxe no seu bojo de bits, de bytes, homens binários, recalques virtualmente quebrados, desassossegos potenciais, e a prevalência da imagem sobre a sensação. Meu sorriso se fez um caractere, e eu o acariciei com os meus dedos. Aliás, com eles, exerci o meu tato, no mundo da mais real ilusão. Matrix. Senti e o senti assim tão branco, desenhei meu abandono, digitei coragem... o fiz com toda a emoção dos meus 20 gigabytes! A sensação foi morna, e vibrante; real, virtual... fez-se encontro. Olhinhos acenderam nos chats do coração. Então, a comunidade trouxe flanêur novo. Cibernético. Que no começo do século anterior inebriava-se da velocidade urbana. E se alimentava dela. Só que o mundo correu mais que ele, e volatilizou... os sentidos. Homem perdido. Memória piscando.... minhas dores... ouço o barulho ao fundo: minha mp3 é que chora.

www.assimnaoda.com.br. Quis encontrar, tendo toda rede... eu virando peixe.

Quis fugir. Forçar o destino. Comprei umas cartelas da dor nova e mandei que entregassem em casa. Fui no Google, pesquisei "cadê o homem?". Encontrei monte deles. Mergulhei fundo, só que fora, dentro de mim. Alimentei. O hd do meu fosso. Disco rígido compactando solidão. On line. Out of me. A Internet trouxe um tipo de homem novo. O mesmo. Velhos, desvalidos, famosos. Desempregados, workaholics. Os desolados. Mendigos sentimentais. Intelectuais, políticos. De esquerda, de direita, centro-qualquer-coisa. Os que guerreiam. Os que chacinam. Os que pacificam. Os românticos. Mentes brilhantes. Autistas. Normais, anormais. Sem-rótulos. Os preconceituosos.Sem segmentos. As crianças. Os que buscam. Encontram? E perdem. Tragam. E fumam. O acaso. Espécie de fumaça, sem cheiro, e um pouco mais instante.

Hipertexto. Sem texto. Hipermídia. Sistemas de informação. Departamento de Defesa norte-americano. Protegendo a guerra. Fria. No coração. Tecnologia e rudimentos. Burguesia. Consumindo a enxaqueca. "Brinquedo novo!" A dor no início. Janela se abrindo. Não sabia que era ela. Eu virei peixe. Na rede.

Encontrei o desencontro. Eu precisava escrever. Deflagrei uma dor linda por dentro. Usei o instinto. Os meus fios de silício. Sendo o meu outro tão irreal no mundo, quis entendê-lo. Fora dele. Escrevi meus zeros, meus uns, meus zunszunszuns... joguei minha rede. O mar todo convulso... de botos humanos, sentindo a dor nova. Ela nem doeu, doeu no implante. Na máquina.

Nas interfaces gráficas. E o que acontece quando a dor nova da gente se junta? Vira alegria doída? Dois peixes numa noite suja. Um teclando o outro.

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