A Garganta da Serpente

Renaldo Ventura

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Maldita ferida solar

(Renaldo Ventura)

Luzes trémulas como um rosário pontuavam o breu
mais um dia.
Um dia como outro qualquer, um dia por dentre os dias
a noite feita dia, dá lugar ao final da faina
ao tempo de dar graças à alvura da manhã do mundo.

Era...
era um dia como outro qualquer
como outro dia .
-Um dia acontece...
acontece.
Aconteceu na minha vida como se nada mais, alguma vez tivesse acontecido.

Por detrás do mar, não existe nada, nada senão nada
não como uma porta fechada, não
mas uma parede!
Parede, que ainda numa nesga de dia vê o seu caiado devorado
lamento:

Desse espartilho de dor, os ventos correm em matilha
revolvem areias, como matutinos amarelecidos estrelejando
ventava!
um bafo húmido que sibilava pela silenciosa planura lagunar
alguns nacos refractados de luz nos rostos crestados
órbitas cavadas, a erosão nas mãos feitas concha
mãos em concha em noites de meia-lua.

A praia tornara-se repositório de passos murmurados, duns
debruados aqui e ali nos passos difusos, doutros
era só o tempo de lavar os olhos
no canto arquejado das gaivotas lúzidias
nesta porção de real, areal incandescente
imemorial...

Insondável,a aspereza das àguas, anterior ao antigamente
reclamava-se também albergue do caudal infinito
de gotículas de salitre incessante, de ar rarefeito e lágrimas colhidas da surpresa.
" - levou-os todos "

Como um suor frio, nem tempo houve para uma benção
os olhos ardiam - afaga esta ferida solar -e um céu que chorou durante dias ...
O mundo como ela o conhecia, acabara, agora era o nada, e o nada expandira-se por dentre sono e sonho.
Um mero escolho no nada, um estremecimento breve, que do nada, ele voltasse para casa, para casa dela.
sequiosa bebia as próprias lágrimas, alimentava-se de seixos limados pelo mar, quando esfaimada.

Tornou-se um pássaro de mau agoiro, tingido de negro um poeta maldito, um peixe de água profunda
e de repente o nada, de novo o nada, como veludo, o luto tornou-se confortável, cessou tudo.

Era um dia como outro qualquer, em que a ferida outrora ruborizada;sarara
era um dia como outro qualquer, nesse dia recordei que tinhas sido tudo
que aconteceras na minha vida, e que a dor de te perder era grande
mas não tão grande que me levasse a perder no nada.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br