Moa desce com dificuldade de sua rede, descalça percorre o caminho que
a leva até a casinha fora da oca, ali a moda dos brancos urina na latrina,
Zu lhe explicou que agora urina mais vezes porque o indiozinho em sua barriga
está empurrando sua bexiga para baixo fazendo com que ela encha mais
rapidamente.
Passando a mão no ventre Moa sente os movimentos do filho e mesmo sem
querer lembra do rostinho de Nica, o indiozinho que foi enterrado nesta tarde
com nove luas era mirradinho e peludo como um sagui, Zu disse ao cacique
que Nica morrera em consequência da pouca comida que lhe era oferecida,
assim como diversos outros indiozinhos nos últimos meses.
Moa contava que ela e Narruá teriam muitas ramas de mandioca para vender
na estrada nesta lua em que seu curumim vem ao mundo, mas há três
luas Narruá começou a ficar o dia todo na rede tremendo muito
mostrando a Moa feridas na boca e sentindo dor pelo corpo, Zu disse que era
febre-amarela, sem os remédios que deveriam chegar pelo rio, Narruá
morreu sem conseguir nem plantar as mandiocas e de qualquer jeito, como este
ano choveu demais, nem os que plantaram conseguiram colher o suficiente para
não passar fome.
Paludo, o irmão de Narruá, tem tentado ajudá-la com alimentos,
caçou um preá e lhe deu uma parte mas ele tem sua própria
família para alimentar e lhe disse que os brancos também estão
comendo os animais do mato e eles têm armas de fogo.
Moa volta para a rede e tenta dormir fechando os olhos e ficando bem quieta
mas não adianta, ela volta a lembrar os muitos curumins mortos e sabe
muito bem que seu será um dos próximos ainda mais agora que Zu
não vem mais à aldeia porque a FUNAI não pode mais pagar
o transporte dela, que ensinava coisas aos índios e lhe dissera que ela
não precisava ter medo por quê lhe ajudaria em seu parto.
Será que um indiozinho ainda na barriga de sua mãe sentiria dor?
Não, Moa acha que não, ou pelo menos não tanta dor como
se já fosse maiorzinho, como Nica que passava o tempo todo chorando e
coçando a barrigona doente, como dizia Zu, depois o pobrinho nem tinha
forças pra chorar.
Mas seu curumim não vai ter essas dores nem ela vai ficar esperando pela
morte assim como uma condenada, amanhã cedinho vai dar um jeito de enganar
o destino.
- O que ela ingeriu?
- Folhas de mandioca braba, queria morrer e levar o curumim que ia nascer, pra
não morrer de fome como os outros.
- Pobre criatura. É... na verdade conseguiu livrar-se e ao bebê
do destino quase certo.