A Garganta da Serpente
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Índios

(Sônia Cardoso)

Moa desce com dificuldade de sua rede, descalça percorre o caminho que a leva até a casinha fora da oca, ali a moda dos brancos urina na latrina, Zu lhe explicou que agora urina mais vezes porque o indiozinho em sua barriga está empurrando sua bexiga para baixo fazendo com que ela encha mais rapidamente.

Passando a mão no ventre Moa sente os movimentos do filho e mesmo sem querer lembra do rostinho de Nica, o indiozinho que foi enterrado nesta tarde com nove luas era mirradinho e peludo como um sagui, Zu disse ao cacique que Nica morrera em consequência da pouca comida que lhe era oferecida, assim como diversos outros indiozinhos nos últimos meses.

Moa contava que ela e Narruá teriam muitas ramas de mandioca para vender na estrada nesta lua em que seu curumim vem ao mundo, mas há três luas Narruá começou a ficar o dia todo na rede tremendo muito mostrando a Moa feridas na boca e sentindo dor pelo corpo, Zu disse que era febre-amarela, sem os remédios que deveriam chegar pelo rio, Narruá morreu sem conseguir nem plantar as mandiocas e de qualquer jeito, como este ano choveu demais, nem os que plantaram conseguiram colher o suficiente para não passar fome.

Paludo, o irmão de Narruá, tem tentado ajudá-la com alimentos, caçou um preá e lhe deu uma parte mas ele tem sua própria família para alimentar e lhe disse que os brancos também estão comendo os animais do mato e eles têm armas de fogo.

Moa volta para a rede e tenta dormir fechando os olhos e ficando bem quieta mas não adianta, ela volta a lembrar os muitos curumins mortos e sabe muito bem que seu será um dos próximos ainda mais agora que Zu não vem mais à aldeia porque a FUNAI não pode mais pagar o transporte dela, que ensinava coisas aos índios e lhe dissera que ela não precisava ter medo por quê lhe ajudaria em seu parto.

Será que um indiozinho ainda na barriga de sua mãe sentiria dor?

Não, Moa acha que não, ou pelo menos não tanta dor como se já fosse maiorzinho, como Nica que passava o tempo todo chorando e coçando a barrigona doente, como dizia Zu, depois o pobrinho nem tinha forças pra chorar.

Mas seu curumim não vai ter essas dores nem ela vai ficar esperando pela morte assim como uma condenada, amanhã cedinho vai dar um jeito de enganar o destino.

- O que ela ingeriu?

- Folhas de mandioca braba, queria morrer e levar o curumim que ia nascer, pra não morrer de fome como os outros.

- Pobre criatura. É... na verdade conseguiu livrar-se e ao bebê do destino quase certo.

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