O chimpanzé está acordado quando são abertos os portões
do zoológico e têm início as visitações. "Tudo
outra vez, como diariamente há mais de quinze anos", pensa, ainda
bocejando.
Não demora muito e aproxima-se da jaula sua primeira visitante. Uma menininha
com bochechas rechonchudas e olhos arregalados. Os bolsos abarrotados de doces.
A mãe, não menos redonda em toda a sua extensão física,
mal consegue segurá-la pela mão, ocupada que também está
com os lanches recém comprados.
O macaco faz sinal à menina para que lhe dê uma bala. Ela olha
para ele, depois para as balas; encara-o seriamente e, por fim, grita: "é
tudo meu!". A mãe vê graça na cena, faz também
algumas caretas para o primata. Logo se afastam, vão conhecer o javali.
O macaco, olhos semi cerrados, ar inegável de tédio, nem se mexe:
só fica desejando que as duas continuem alimentando bem a Sra. Gula -
até seus corpos explodirem como bombas de gordura.
O movimento no zoo está tranquilo. Poucos transeuntes. Mas
quando pensa em voltar a dormir, desanimado e ocioso, surge-lhe à frente
uma bela jovem que fala sozinha, masca chicletes freneticamente e usa uma minissaia
curtíssima. O macaco não resiste e tenta agarrá-la pelas
pernas. Ela livra-se dele, mas delicadamente para não machucá-lo,
dando-lhe uma bronca como se fosse sua irmã mais velha: "até
você, macaco? Assim não dá!".
Ele percebe que foi inconveniente. Faz cara de arrependido para tentar redimir-se.
Então a moça sorri para ele, beija-lhe a mão enrugada,
e de repente parece ter um estalo, "é isso!, você me inspirou
para a redação, seu danadinho!, pode ficar com o meu pastel, que
eu não posso perder tempo enquanto as ideias para o texto fervilham
na minha cabeça". E lhe dá mais um apressado beijo, saindo
em disparada. O chimpanzé, excitadíssimo, pede-lhe outros, mas
ela já nem o vê.
Logo passa ali por perto um sujeito simpático, literalmente vestindo
cartazes de propaganda, onde se lê: "A sua panéla uzáda
váli um discontu di 5% na compra da nóva, i dá direitu
a iscolher um super brindi: uma capa di bujão di gáis, ô
um belíssimu dizimtupidôr di pia. Tudo issu, só nas Lójas
Elíti".
Ele tira do rosto a máscara de palhaço e pendura-a no pescoço
junto ao mega-fone, para que o bicho não se assuste, enquanto lhe entrega
uma penca de bananas. Tarde demais: o pavor já aconteceu, não
pela alegoria ou pelo homem ser quase completamente desdentado, mas porque o
macaco não tinha certeza, até então, de que a crise estivesse
tão acentuada; de que alguém precise se sujeitar àquilo;
de que existe no Brasil, ainda, analfabetismo; de que, convenhamos, alguns lojistas
desconhecem completamente noções de estética! Mas, para
não constranger o bom homem, com algum esforço consegue tranquilizar-se,
e até evita com maestria o infarto fulminante que, a princípio,
parecera inevitável.
A visita não se demora: precisa continuar anunciando a promoção,
levar dinheiro para casa. Talvez assim seus sete filhos tenham mais chance de
serem alfabetizados e crescerem sem abandonar seus dentes pelo caminho.
Fim de tarde. Os funcionários se encaminham para fechar os portões
daquele pequeno mundo animal. Antes, porém, consegue entrar o último
visitante daquele velho morador. Barba, roupas e sapatos brancos. A princípio,
o cansado animal pensa tratar-se daquele cientista que outro dia havia afirmado,
na tv, serem 99,4% coincidentes os códigos genéticos dos homens
e dos chimpanzés. Mas logo vê que se confundiu, porque o tal fulano,
que é estrangeiro, provavelmente não iria àquele zoo,
naquele horário, e ainda mais com trajes convencendo ter chegado de um
tiroteio.
De fato, o engano. É um pai-de-santo, há meses mendigando pelas
ruas da metrópole. É certo que não tem interesse na visita
em si, mas sim em pedir ao macaco eventual sobra de alimentos. Este lhe dá
as bananas restantes das que o banguela lhe trouxera logo cedo.
Enquanto o miserável corre para alcançar o portão aberto,
feliz pelo lanche que tem nas mãos, o chimpanzé é levado
para banhar-se. Se descuidarem dele por um minuto que seja, tentará se
afogar na banheira. Afogamento letal.