A Garganta da Serpente
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Um amigo indiscreto

(Sonia Regina Rocha Rodrigues)

Seria uma história preciosa , caso o jornalista pudesse contá-la, mas ele comportara-se estupidamente, e, estando preso àquela promessa, não poderia fazê-lo. Zezinha estava vingada.

Conto-lhes em rápidas palavras o sucedido:

Zezinha, a poetisa, sofrera de paralisia infantil e desejava conhecer pessoalmente o Dr. Sabin, que visitava o Brasil.

- Sendo a senhora quem é, isto é facílimo! - retrucou o Campos.

Zezinha ficou a especular se o 'sendo a senhora quem é' referia-se a suas poesias ou ao fato de ter ela sido acometida pela doença.. Havia um outro porém: ela não falava inglês.

O Campos tranquilizou-a:

- Nem precisa. O doutor fala fluentemente o português. Ele é casado com uma brasileira, não sabia?

Acertada a visita, um amigo jornalista resolveu 'pegar carona' na entrevista e ofereceu-lhe o carro. Zezinha bem que percebeu a marotice, mas o amigo parecia um menininho em visita a Papai Noel e ela não teve coragem de negar:

- Mas olhe lá! Não vá transformar a visita em assunto de reportagem! Proíbo-lhe!

Ora, esta era justamente a intenção do jornalista, mas ele cedeu: contentava-se com a glória de ver de perto a celebridade.

Zezinha e Sabin estavam a comentar a grande sorte das gerações atuais, pois há oito anos não se registrava sequer um caso de poliomielite no Brasil, quando o nosso jornalista, não conseguindo segurar a língua, sai-se com esta 'pérola':

- O senhor, evidentemente, enriqueceu, não foi?

Zezinha sentiu o rosto quente de indignação e vergonha.

Sabin exclamou, veemente:

- Meu senhor, certamente os laboratórios que comercializaram a vacina enriqueceram. Quanto a mim... as descobertas dos cientistas pertencem à Humanidade!

Seguiu-se um silêncio constrangedor.

O jornalista interessara-se subitamente pelo intrincado desenho do tapete persa sob seus pés. A amiga o encarava, muito digna.

O cientista levantou-se e, em voz pausada, contou-lhes :

-Estive recentemente na Inglaterra... Fui recebido na corte... Vocês sabem, o protocolo inglês é severo... Quando a rainha entra, todos se levantam e a reverenciam... Pois lá estava eu, em meio a todos aqueles lordes... E a rainha inclinou-se e beijou-me as mãos... Isto me basta.

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