Num certo momento, começou a ouvir música. Vozes doces, femininas,
sereias. Sempre imaginou que esse canto só afetasse aos homens. Devia
ter um lado aventureiro bem forte. Nesse estado de sofrimento, a melodia vai
levando a alma para lugares tranquilos, familiares, felizes. Vêm
à mente aquele sol morno de domingo, passeios de bicicleta, mãos
dadas, risos. Mas conforme o canto continua o sentimento muda, as vozes tornam-se
frias e a angústia daquele estado de impotência aumenta. O mar
é tão escuro, turvo, parece mais um poço sem fundo. Vertigem.
Laura já passou por isso. A consciência desperta e com a energia
que ainda resta, grita. Tal qual o recém-nascido que não sabe
o que faz, berra. Quando se cala não há mais som algum. Vitória
temporária.
Passado algum tempo, voltam as dores. Sede, a língua áspera,
os lábios rachados, boca e garganta secas; fome, o estômago contorcido
e o corpo em brasa, curvado, queimado de sol e de sal. Cada terminação
nervosa é sentida. Acupuntura às avessas. Começa a questionar
para que serve tudo isso? Essa teimosia em viver quando tudo o mais parece perdido.
Talvez porque não faça sentido algum a vida terminar assim. Qual
a graça? A vida foi boa (satisfatória). Mas terminar assim? Que
história besta! Recusa-se.
No horizonte, enfim, surge a solução tão esperada. Bem
longe, uma linha tênue que vem aos poucos se aproximando e tornando-se
cada vez mais nítida. Começa a soprar uma brisa bem leve e fresca.
Nada mais a incomoda. Laura põe-se em pé. De olhos fechados, sente
o cheiro do mar. Enche o peito de ar, de coragem e vai, pausadamente, abrindo
os braços. A brisa torna-se cada vez mais forte. Ventania. É preciso
manter o equilíbrio, pois ainda não é hora. Nesse instante,
porém, já pode ter noção da dimensão daquilo.
Enorme, sobrenatural, quebrando pelas beiradas, Laura contempla extasiada uma
espetacular onda que cresce e se aproxima. Abre os braços o máximo
que pode porque sente que ele a quer. Braços descomunais se fechando
sobre aquele ser que se achava tão insignificante. Agora se sente plena,
gigante. A força é tanta que consegue erguê-la. Precisa
manter os pés firmes porque ainda não é hora. Os braços
vão bem abertos, como se fossem asas. Sempre sonhou em voar. Mas não
cansavam de dizer que isso era coisa de moleque. Passou a sentar-se mais comportadamente,
as mãos sobre o joelho, feito moça. Agora, estava livre afinal.
Estrondo. O som ensurdecedor fez seu coração disparar. O corpo
inteiro estremeceu. A onda arrebentou e naquela fração de segundo,
seus joelhos dobraram.