A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Soluços e soluções solúveis

(Tamara Costa)

Porque é preciso fixar-se de algum modo neste lugar encantado, até que a última realidade se dissolva ali, em cima daquela mesa suja onde repousam os classificados, alguns farelos de pão e um café aguado. Então, ela colocou seu ego deitado dentro de um pires de porcelana chinesa, fez uma promessa descompromissada e esperou o próximo jantar. Era um ego tão convidativo quanto um chic crepe suíço de morangos banhados em chocolate derretido quando se está nauseando. A partir daquele exato instante, quem tomasse café-com-palavras e não mais se preocupasse com o pires chinês (que parecia paraguaio), sentiria o ego murchar como um pão dormido e francês de padaria portuguesa. Mas tempo parou e só restaram os farelos de palavras cansadas de prometer o improvável. Ninguém mais sentou para comer na mesa. Só os chatos se importam com pires chineses.

Mas o que isso significa?

Ela só precisava de um café pra se acalmar. Não tinha água em nenhuma parte da casa, não tinha comida nem ninguém, só palavras cansadas de prometer o improvável. Uma casa, um lugar concentrado, harmônico e abstrato habitava suas mãos e nessa ela se procurava; na solidão dos gestos universais. E cada vez mais se perdia e estava mesmo sozinha e só disse o essencial: UM CAFÉ! Não, não se sabe pra onde vão os fragmentos perdidos e a partindo de um ponto qualquer (desprendido) é impossível distinguir egos, atos e efeitos do café e dos desejos e duro é admitir que dentro do próprio sujeito existem outros ocultos que se atropelam no aperto desta face.

Como se o chão tivesse sumido de repente, mas não, ainda não, a face não tinha afundado nem caído no abismo sugador, que se ergueu entre a ausência e um cafezinho, durante uma viagem ao centro do espiral formado entre a colher e o café.

Nunca se volta do mesmo jeito de uma viagem, seja ela qual for.

E era sempre ela e sua vida, no fim, sempre necessários os cafés e outras anfetaminas para aliviar que ela diz e vê: água em palavras.

O negócio é se movimentar e se você vê o outro se movimentando já entra no fluxo. E a prisão pode se dissolver por alguns instantes. Até que o movimento se esvazie do significado - isso é uma consequência de sair do eixo. Os gestos acontecem sem que o movimento seja capturado pela racionalidade. Essa prisão (a imagem) é uma tentativa de disciplinar o caos das possibilidades.



* Não, realmente ela não estava ali. As imagens capturadas ampliam o que foge a ótica natural - a ausência.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br