- Quero uma.
- De dez?
- Não de vinte.
- Uma só mesmo?
- É rapá, uma só, tá surdo?
- Calma aí princesa, tá na mão.
- Valeu.
"Calma é o cacete", resmungo entre os dentes. Entro no bar
e fico na fila do banheiro esperando a minha vez. Na fila um cara de bigodes
na minha frente se vira e lança um olhar psicótico, todos fazem
isso, me comem com os olhos. Sinto eles estremecerem, sinto as vezes a pulsação
dos seus pintos. Todos uns cagalhões de merda. Não dou pra nenhum
desses, não pra esses veados de merda, cagalhões.
Minha vez. Travo a porta e vou logo batendo a carreira na tampa do sanitário.
Alívio, fecho o que sobrou com o isqueiro, dou uma escarrada na pia e
retoco a maquiagem. A rua agora parece muito mais cheia do que antes de eu entrar
no banheiro; normal, numa sexta-feira à noite isso aqui lota de gente
de uma hora pra outra. Desço a Augusta com o coração quase
pulando do peito, essa é da boa. Dou uma olhada rápida em volta.
Encostada no muro a molecada toma conta da noite: O zoológico. Neo-punks-emo-neo-hippies-filhas-da-puta-chupadores,
odeio essa corja, modernos de merda.
A Caru está me esperando num bar ali na Antonia de Queiroz, ela está
com aquelas garotas de merda que só querem saber de trepar com os caras
descolados, eu não, eu quero mesmo é a Caru, ela também
não tá na dessas minas, ela tá na minha. Gostosa!
Conheci a Caru numa quinta feira à noite, madrugada, aliás, já
era sexta-feira. Na ocasião ela dançava com os braços pra
cima no meio da pista, o seu cabelo negro, todo molhado girava junto com ela
e quando os movimentos ficavam mais lentos ele repousava na pele branca, quase
brilhante. No seu braço direito um emaranhado de rosas roxas, lindas,
descia até o cotovelo. Braços finos, pescoço longo, olhos
verdes fumegantes. Caru. Gostosa! Me aproximei dela devagar, olhando dentro
daqueles olhos vivos. Gostosa, falei, e continuei na sua direção.
Ela não parou de dançar, só me olhou, não reprovou
minha investida. Foi dançando lentamente para trás até
encostar-se na parede. Eu cheguei logo depois, apertei os seus seios com força.
Gostosa. Ela sorriu, eu a beijei, um beijo forte como nunca havia dado em ninguém.
Me apaixonei, fazer o quê, sempre tive um queda por olhos verdes.
Entro no boteco cheio de putas. Na segunda mesa um grupo de amigos dá
risada olhando pra cima. Ela não tá aqui. Puta. Marcou comigo
as onze, aqui. Cadê ela? Peço uma cerveja e tento me acalmar rindo
do rosto do travéco que acaba de entrar no bar que de tão esticado
que está faz parecer uma mistura de japa com loira falsa nordestina.
Onze e meia, nada da Caru. Checo o celular pra ver se não tem nenhuma
mensagem dela avisando que vai se atrasar. Estou sem créditos no celular
se não telefonaria. Uma impaciência do caralho toma conta de mim,
hora de mandar mais uma.
Chuto a porta do banheiro feminino. Um grupinho que está encostado no
balcão me olha com reprovação. Foda-se! Vadias do caralho.
Estão todas emperiquitadas, mas não tem estilo nenhum, são
todas desengonçadas, magrelas, e bulímicas. Fecho a porta. Func...
ahhhh... fuuunc.. aahhhh... Puxo até o ultimo miligrama do que restou.
Não dá pra ficar careta numa sexta-feira à noite.
Abro a porta e a luz esbranquiçada quase me cega, que porra de luz ridícula.
Sinto as pernas bambearem um pouco, mas tô legal. Encosto um pouco nos
engradados de cerveja que estão no canto da parede, respiro, tá
tudo bem, tô legal.
-Deize?
-Caru?
-Meu Deus você tá branca!
-Tô legal. Quem é essa vaca?
Quem é essa vaca? As palavras reverberam na minha cabeça. Quem
é essa vaca? Sinto a mão da Caru, aquela mão macia no meu
rosto. Quem é essa vaca?
-Vem, eu vou levar você pra fora.
-Que pra fora o caralho. Me larga. Quem é essa vaca?
Levantei, tô legal, num falei! Dou logo uma bica no queixo da piranha,
sinto os ossos do rosto dela trincarem na ponta da minha bota.
-Calma Deize!
"Calma é o cacete".
Vou logo pra cima da vadia, ninguém me segura, ouço somente os
gritos da Caru, histérica, e os gemidos da mina que agora está
no chão. Cravo minhas unhas no seu rosto, os olhos dela se fecham junto
com a sua boca no meu polegar direito, se fecham com a mesma força, com
a mesma intensidade, como uma cadela. Cadela! A boca dela só se abre
quando a dor no olho direito, perfurado, é maior que a vontade de me
machucar.