A Garganta da Serpente
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Pânico no elevador

(Thaty Marcondes)

Cheguei em São Paulo há uns 6 meses. Fugi dos erres arrastados, da estação de trens inglesa, do fog caipira encravado na serra, em Paranapiacaba. Morava na cidade baixa, quando era maquinista das locomotivas dos lordes turistas, que vão admirar as belezas da Serra do Mar. Quando a aposentadoria chegou tive que dar lugar ao novo operador.

Também tive que devolver a casa - moradia emprestada pela companhia. Subi a serra. Lá no alto, a cidade é diferente, parece outra. É bonita: casas coloniais, fachadas em tons terracota, balcões, janelões, o teto lá em cima - duro é trocar uma lâmpada.

Me sentia novo, ainda, para "pendurar as chuteiras".

Chamei a esposa e comuniquei minha resolução: viria prá Capital trabalhar, pois só a aposentadoria não chegaria para o futuro dos meninos.

Arrumei a mala com o estritamente necessário, peguei os documentos e vim para cá.

Fui contratado como zelador de um pequeno prédio comercial, no centro da cidade. O salário não é muito, mas me permite poupar para o estudo dos filhos. O serviço normalmente é tranquilo. Estou acostumado aos desastres nos trilhos, às pernas esquecidas sob as rodas dos trens, às queimaduras dos maquinistas, mas essa semana passei por uma situação inusitada.

Um dos elevadores não voltava ao térreo. Peguei o interfone e tentei me comunicar com Carla, a ascensorista, grávida de 5 meses. Nada: ela não respondia. A luz do painel estava acessa entre o segundo e o terceiro andar.

Algumas pessoas notaram e começaram a gritar, a chamar por nomes de pessoas que talvez estivessem lá dentro. Juntou gente, e a pequena aglomeração já gritava soluções como "chama a polícia", "chama os bombeiros", "ligue 190", até "911" falaram para eu chamar! Eu pedi silêncio, na tentativa de ouvir algum som vindo do elevador, mas a pequena multidão não parava de falar. Nessa hora chegou Osório, o segurança da joalheria, e meteu a boca no apito. Parecia que eu estava na minha querida locomotiva e o sinal de partida havia sido dado!

Silêncio total. Os sons que chegavam eram misturados: choro, gritos histéricos e até um cochicho de oração fervorosa.

Aí eu resolvi agir:

- Alguém tem celular? - falei em tom firme e alto.

Um rapaz saiu da multidão e se ofereceu:

- Tenho sim, "meu comandante" . Pode deixar que ligo para 190!

"Pim-pim-pim" prá cá, "pim-pim-pim" prá lá e nada do cidadão falar com ninguém!

Fiquei nervoso e perguntei para que tantos números.

- Ô, "autoridade", tô ligando certinho! Meu celular é de Campinas, tenho que ligar para a operadora, o código da cidade e o número da emergência! Veja: 021-19-190.

Quase esganaram o rapaz de boa vontade mas pouca inteligência!

A confusão e a gritaria de revolta foi interrompida pelo som da pesada porta de ferro que dava saída à escada. Chegaram, todos, esbaforidos e nervosos, pensando que o barulho que ouviam pela porta do elevador era de alguém que havia ficado preso, antes do técnico liberar o pessoal para fazer a manutenção!

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