Aos 80 anos de vida, Glória ainda lembrava do cheiro doce do umbuzal
na sua fazenda. Ela não lembrava do que almoçara no dia anterior,
mas lembrava de sua festa de 15 anos, das amigas que apareceram, dos parentes,
dos rapazes, da cor do vestido. Sua mente não era mais a mesma, ficava
cada vez mais difícil se concentrar em uma mesma linha de pensamento,
ou lembrar de fatos recentes. Cada vez mais sua cabeça teimava em visitar
o passado. Seu marido morrera há 15 anos, no entanto a memória
de seu toque era ainda mais vívida agora, em seus últimos dias.
"Não há nada mais que possamos fazer", dissera seu médico.
"O tumor já avançou demais. Sinto muito."
"E agora, José?", se perguntava no meio da noite, então
olhava para o lado e via que estava sozinha. Mas não chorava. Não
chorava há muito tempo.
José sempre fora o único homem em sua vida. Filho de um amigo
de seu pai. Numa cidade pequena como a dela, aquilo já era o bastante
para marcar o casamento. Glória ainda lembrava do baile da Igreja, quando
se beijaram pela primeira vez, sob uma mangueira, afastados dos curiosos. Lembra
do arrepio na sua nuca, e de como o cabelo sedoso de seu amado deslizavam entre
seus dedos. Morrendo, sobre uma cadeira de vime, Glória se lembra.