Certa vez, quando menino, resolvemos visitar uma caverna nos arredores de nossa
cidade. Acordamos bem cedo, juntamos toda a tralha que precisávamos para
a nossa jornada e partimos. Quando o dia amanheceu, já estávamos
longe, dentro da mata, em uma trilha de três quilômetros, que nos
levaria a gruta. Quando chegarmos ao local, descobrimos que a entrada da caverna
era um buraco no chão. Ela ficava lá embaixo, escondida. Com alguma
dificuldade, descemos pelo buraco até um amplo salão. Ali se acumulavam
no teto e no chão, enormes estalactites e estalagmites. Gotas de água
escorriam sem cessar das extremidades das pedras penduradas, pulsando e reluzindo
sem parar.
Um lampejo clareou o interior do salão, a luz precária do ambiente
nos obrigou a acender a primeira vela. Então, divisamos a nossa direita,
uma passagem estreita para um outro salão, mostrando que a gruta era grande.
E, à medida que avançávamos para o seu interior, novos ambientes
eram descobertos, porém, a escuridão tornava-se mais intensa e o
nosso deslocamento ficava mais difícil. Acendemos uma segunda vela.
A cada passo, uma nova visão deslumbrante surgia, recompensando todo aquele
desconforto. Descortinava-se ante nossos olhos, em silêncio, uma paisagem
que aliava mistério e beleza. Cada elemento que compunha aquele quadro
era formado por pedras de todos os formatos, tamanhos e cores. E para completar,
surgiu no meio da gruta, um córrego de água gelada e límpida,
correndo, rapidamente, por um plano inclinado e desembocando num pequeno lago
escavado na rocha, deixando a mostra alguns peixinhos esquisitos. Jamais imaginei
que uma caverna possuísse coisas tão intrigantes. O único
inconveniente, naquele momento, era a presença dos morcegos que ao passarem
por nós, apagavam as velas.
De repente, desastradamente, um companheiro pisou em falso e torceu o tornozelo.
Gemendo de dor pediu para voltar. Então, para o nosso desconforto, notamos
que das três velas que levamos, duas já haviam sido consumidas e
só restava uma. Uma vela e dois tocos, além de quatro palitos de
fósforo talvez, fossem insuficientes para nossa volta e, aquilo nos perturbou.
Entendemos, que não foi prudente ir tão longe dentro da uma gruta
com tão escasso material de iluminação.
Veio também, a dúvida quanto à direção exata
da saída. Andamos por muitos corredores e salões. Poderíamos
estar perdidos. Só nos despreocupamos, quando vimos que, apesar da fraca
claridade, os nossos passos marcados no escasso solo da gruta, nos indicavam o
caminho de volta.
Para piorar a situação, os morcegos perturbavam nosso retorno, apagando
as velas com rasantes sobre nossas cabeças. Alem disso, sabíamos
que nas cavernas, as velas consomem-se rapidamente. Por isso uma vela era muito
pouco para enfrentar aquele labirinto de rochas. Nova revoada dos morcegos e,
para o nosso desespero, a vela se apagou. Ao acendê-la, ficamos com apenas
três palitos de fósforo. Assaltava-nos então, o medo de que
não conseguiríamos sair daquele lugar, pois a saída ainda
estava longe e a vela apagava facilmente por causa do pouco oxigênio e dos
morcegos.
A situação se tornava assustadora. Resolvemos acelerar o passo.
O companheiro machucado se queixou. Novamente, os morcegos apagaram a vela. Restavam
dois palitos. Por causa do ferido, andávamos devagar, torcendo para a vela
não apagar. Uma vez ou outra, o silencio era interrompido pelos gemidos
do ferido ou pelo guinchar dos morcegos, que toda vez que passavam por nós
apagavam as velas.
Depois de acender a vela, mais uma vez, restou-nos o último palito de fósforo.
Agora, mais do que nunca tínhamos que conservar a vela acesa ou morreríamos
dentro da gruta sem poder sair. As pedras pareciam crescer a nossa frente como
verdadeiras inimigas, prontas a ocultar o caminho para sempre, dificultando nossos
passos, nos atrasando até consumição do ultimo palito de
fósforo.
A vela, que lentamente diminuía de tamanho, mais uma vez se apagou. Ao
acendê-la, com o ultimo palito, havia em cada semblante uma dose de pavor,
pois não tínhamos noção da distância que nos
separava da saída. O medo de que a vela se apagasse novamente era simplesmente
insuportável. Se isso acontecesse, seria um mergulho na escuridão
e aí, não haveria mais saída.. Sem luz, nos restaria a noite
eterna da gruta. Com medo ninguém falava nada. Rezar era o único
remédio para tanta aflição. Tirante os gemidos do companheiro
ferido, o silêncio era quase total. De repente os morcegos desapareceram.
A vela estava chegando ao fim. Um toco quase queimando a mão de quem a
levava. O medo de não sair da caverna chegou ao limite máximo. De
repente uma claridade, era a saída.