Desde aquele dia, Alfredo nunca mais saiu de casa. Tudo porque numa festa, a
rixa que tinha com um sujeito acabou numa troca de socos e pontapés com
o seu desafeto levando a pior. Conforme revelaram testemunhas, o rapaz afirmou
que ele estava com seus dias de vida contados. Por isso, não saiu mais
na rua com medo de morrer.
A situação ficou insustentável, de tal maneira, que ele
foi pedir ajuda a um amigo. Este, ao ver o seu desespero, sugeriu que desse
um fim no individuo. Alfredo recusou prontamente, nunca matara ninguém
nem mataria. Além disso, lhe faltava coragem para tanto. É uma
questão de vida ou de morte, disse o amigo. Um ou outro terá que
morrer. Você precisa agir antes, para não ser o primeiro. Se não
tem coragem, contrate alguém para fazer o serviço. Não
conheço ninguém, argumentou. Sei de uma pessoa certa para isso,
disse o amigo.
Ele se interessou. O amigo o aconselhou a procurar um homem que passava o dia
rezando na igreja. Praticamente mora lá, disse. É a pessoa mais
indicada. Discreto e não levanta suspeita. Encarregar-se-á de
tudo. Basta combinar o preço e dar o nome e o endereço de quem
você quer eliminar.
Depois de muito pensar resolveu procurar o homem. Estava anoitecendo quando
chegou na igreja. Era um velho de aproximadamente, oitenta anos, que ao vê-lo,
parou de rezar já antevendo o que lhe seria encomendado. Contou-lhe seu
problema. O velho pediu o nome, o endereço do candidato a defunto. Queria
o dinheiro adiantado. Forneceu todos os dados do inimigo, pagou e saiu. O homem
guardou o nome o endereço no bolso e voltou a rezar.
Seu problema para acabar só precisava de mais algumas horas, pensou ao
sair da igreja. O bandido vai ter o que merece, nunca mais vai ameaçar
ninguém. Em casa, jantou, viu um pouco de televisão e foi deitar,
sentindo-se aliviado.
Lá pelas tantas, sentiu uma agulhada de arrependimento. Desejava que
estas coisas não acontecessem, se irritou por entender que não
conseguia afastar o pensamento delas. Atormentou-se com aqueles sentimentos
de culpa e por isso, demorou a dormir. Dormiu pouco. Pois, acordou assustado
com uma sensação de remorso. Sentou-se na cama com o coração
acelerado. Aquilo, mais parecia um anúncio de morte.. As horas passavam
devagar, os grilos cantavam, o tic-tac do relógio parecia mais alto.
A noite encompridou. Deitou-se. Fechou os olhos, mas não conseguiu dormir.
O sono não vinha. Já passavam das três horas da madrugada.
Fez algumas práticas de relaxamento e nada. Tudo inútil. O sono
esgotara-se.
Impacientemente, esperou o dia clarear. E antes mesmo de o sol nascer, levantou-se.
Olhou-se no espelho do banheiro. Escovou os dentes. O arrependimento baixou
de vez. Não devia ter contratado aquele homem. Não queria ser
o mandante de um crime. Não era assassino. Tomou a decisão: não
ficaria nem mais um minuto com o remorso a lhe torturar. Iria até a igreja,
conversaria com o velho e dispensaria os seus serviços. E para não
complicar nem pegaria o dinheiro de volta.
Não queria saber de mortes. Só queria viver tranquilo. Pensando
assim, saiu correndo de casa. Restava-lhe pouco tempo para evitar o crime. Chegou
cansado. O homem estava lá, ajoelhado, encolhido, e como no dia anterior,
rezava. Chegou de mansinho, tocou-lhe o ombro. O velho virou-se rapidamente,
quis levantar-se. Alfredo o deteve, não era preciso. Ele foi direto ao
assunto:
- Vim para lhe dizer que desisti de acabar com o sujeito. Pode ficar com o dinheiro
se quiser, falou cochichando no ouvido do velho. O homem sorriu e disse:
- Agora é tarde, já fiz o serviço.