Galinda era um ser único, pessoa maravilhosa, ímpar, gentil,
educada, solícita, companheira, amiga. Difícil seria enumerar
todas as qualidades e características destacáveis.
Tanto quanto maravilhosa também enigmática. Mulher de muitos
mistérios, hábitos que nem todo mundo conhecia.
Galinda costumava fazer vigília esperando o aparecimento de OVNI's,
conversava com amigos invisíveis, ou como alguns dizem, imaginários,
previsões sobre tudo e todos. Não saía de sexta-feira vestida
de preto e vermelho, não saía em dias impares com cores frias
e adorava as sextas 13 e vestia branco em todas as sextas. Gatos pretos tinha
7, criava cobras, gostava de aranhas e dizem alguns que ela criava na casa do
sitio um filhote de urubu, mas nada confirmado.
Fazia yoga, era bruxa, astróloga, taróloga, perfumista, alquímica
e dizia ver gnomos. No mínimo uma pessoa incomum.
Antes de realizar qualquer negócio, de partir para uma 'conquista' ou
de sair de casa para assuntos mais delicados, consultava o Mapa Astral, o calendário,
mentalizava, meditava, se benzia e só então saía.
Não realizava transações financeiras de terças-feiras
pois dizia ser o dia reservado ao seu anjo que não merecia negociações
num dia tão único da semana. Aos domingos ia a Missa, pois entendia
que não era preciso professar uma religião para assistir ao seu
culto e, por via das dúvidas, era bom estar de bem com todas as linhas.
Tão maravilhosa e incomum podia também ser perigosa se provocada.
Aliás, a máxima de, quem vê cara não vê coração
deve ser pertinente no caso de Galinda.
Algumas pessoas são francas em excesso chegando a manifestar desagrado
em relação às outras pessoas, ou objetivas a ponto de tomar
medidas que cerceiem as atitudes, os espaços e até a liberdade
das pessoas que agem em desagrado de suas perspectivas. Mas, com Galinda as
coisas aconteciam de forma estranha.
As coisas com ela parecem mais 'invisíveis'. O 'culpado' parece convencer-se
naturalmente da culpa, expor-se de forma mais intensa ou descuidada, a ponto
de deixar sensível, portanto mais fácil de perceber o ponto nevrálgico,
e consequentemente as coisas acabam desfechando de forma nem sempre tão
suave, porém não menos previsíveis. Mais uma máxima
justificada: a corda sempre quebra do lado mais fraco.
Que poderes poderia ter essa pessoa 'do bem'? Calo exposto e dolorido e o seu
mundo é o que gira?
Galinda sempre entendeu que as pessoas colhem o que plantam e portanto, por
fazer todo o possível para ser agradável, amiga, solícita,
e todos os atributos já citados, entende que deve colher o mesmo tipo
de fruto e não colhendo se dá o direito de derrubar os seus. No
entanto, talvez ela não entenda que não é chacoalhando
o pé que se colhem frutos.
Eu sou uma dessas pessoas de galhos quebrados, de ramos derrubados. Meus frutos
foram ao chão quando trabalhava com Galinda e resolvi, como sua gerente,
exercer meu direito, cobrando dela responsabilidades sobre seu trabalho que
não vinha sendo exercido com a eficiência oferecida no decorrer
do seu processo seletivo.
As coisas não aconteciam bem no setor que ela gerenciava, por falta
de competência mesmo,e consequentemente começou a não produzir
como deveria. Tentei de toda forma conversar, realizei reuniões, treinamentos,
planos os mais diversos e ao longo dos meses o problema só se agravava.
Demiti Galinda.
Após a demissão recebi duas ou três ligações
telefônicas em tom constrangedor partidas dela e como nada podia fazer,
pedi desculpas e deixei que as coisas se acomodassem no tempo.
Dois meses depois desse evento sofri um desmaio e fui hospitalizada. Descoberto
um tumor no intestino. Exames feitos, comecei a quimioterapia.
No retorno da terceira sessão de quimioterapia fui atropelada e fraturei
as duas pernas. Estou de cama já há 45 dias com previsão
de 60 dias de gesso. É um sacrifício ir ao hospital nessas condições,
porém não posso interromper o tratamento. Meu cabelo está
caindo incessantemente, minha pele perdeu o viço e sinto dores insuportáveis
grande parte do tempo.
Dormir é coisa rara. Sinto-me um robô encadeirado. Meu apetite
diminuiu sensivelmente. Emagreci 13 kg.
Galinda veio me visitar outro dia e me trouxe um cesto de rosas lindo. O que
me apavorou é que no fundo do cesto, embaixo das flores havia uma cobra...
morta.