No princípio era apenas uma massa disforme de barro descansada sobre
um pedestal. E recaiu sobre si o olhar e um par de mãos. Moldaram-na,
deram-lhe a forma perfeita de um ser humano. E isto muito orgulho trouxe ao
artista, que a venerava sem se cansar. Não havia dia em que deixasse
de ter com ela, e por mais perfeita que parecesse, havia sempre algo que lhe
pudesse ser acrescentado. Um detalhe além na orelha, um músculo
a mais na perna, e assim foi-se melhorando aquela massa de barro originalmente
disforme. E de tal forma foi melhorada, que a quem se apresentasse, apenas a
muito custo poderia reconhecer ali uma massa de barro moldada pelo olhar e pelas
mãos. Com o tempo foi-se acreditando mesmo ser aquela a mais perfeita
de todas as estátuas de barro. Não havia defeitos perceptíveis,
e não se reconheciam mais as marcas das mãos e do olhar que a
tornaram tão perfeita. Parecia até que havia se feito a si própria,
mãe de si mesma; engano, era apenas mais uma estátua moldada de
barro disforme, comum a qualquer outra estátua de barro, destoante apenas
na aparência, e se a alguém ocorresse a ideia de descascá-la
com as unhas, perceberia a verdade, o engodo. Havia, é necessário
que se diga, aqueles que discordavam de toda aquela perfeição,
que alertavam para o fato da estátua ser de barro comum e que toda aquela
excelência residia no olhar, mas estes eram minoria e não eram
levados a sério. E a fama da estátua alçou-se a tal ponto,
que mesmo aqueles que só a conheciam através dos olhos de terceiros,
criam realmente não haver outra estátua tão perfeita quanto
aquela.
Certo dia, porém, o vento enveredou pelo salão. Enorme salão
construído exclusivamente para a estátua. Enveredou de tal forma,
com tal intensidade, que a estátua ensaiou um tímido movimento.
Consta que alguns dos presentes testemunharam o movimento sem se darem conta
do vento que havia soprado, e espalhou-se então o boato de que além
de perfeita, a estátua agora estava tentando, de vontade própria,
descer do pedestal. Tal evento foi interpretado como um ato de profunda humildade
da estátua, que apesar de toda a sua perfeição, não
se considerava digna de um pedestal, muito menos de veneração.
Isto só contribuiu para que fosse ainda mais venerada e considerada
ainda mais perfeita. Mas o vento, como tão bem se sabe, não se
cansa, e em uma nova tentativa, enveredou-se ainda com mais força pelo
salão. Neste dia a estátua estava sozinha porque as pessoas refugiaram-se
em suas casas. A força do vento e a escuridão impediam-nas de
sair à rua. E a estátua caiu do seu pedestal.
Passada a tempestade, retornaram todos ao salão e encontraram somente
um pedestal vazio. A estátua fora empurrada pelo vento e morrera no chão.
Sobraram apenas inúmeros pedaços, impossíveis de serem
juntados; mesmo que o fossem, a estátua jamais teria a mesma perfeição.
E ao ver a multidão o que sobrara da estátua, descobriu-se que
ela era, realmente e tão somente, uma massa de barro disforme moldada
pelo olhar e um par de mãos. Houve aqueles que choraram, houve aqueles
que se revoltaram e houve aqueles (minoria) que sorriram de satisfação.
O tempo passou, e hoje ninguém mais se lembra daquela estátua
de barro. Satisfazemo-nos com novas estátuas.