A estrada era de terra batida e em tempos de seca, nuvens vermelhas de poeira
erguiam-se à passagem dos poucos carros.
Eles viviam num sítio pequeno, numa casa de madeira muito simples, numa
paz interessante.
No singelo jardim, as rosas caipiras e perfumadas enfeitavam a vida de Dona
Maria, que da janela da cozinha, esticava os olhos para apreciar as flores,
enquanto fazia pães e biscoitos.
Seu José era um homem de idade avançada e durante toda a sua vida
tinha cultivado uma grande paixão, o café, muito conhecido como
ouro verde.
E era ouro.
E era paixão.
Mês de julho e o frio era intenso.
Uma grande agonia, o medo de ver seu cafezal sucumbir às geadas, começava
a quebrar a paz do velho homem, que inquieto, percorria cada rua de café,
como se quisesse acalmar e proteger a plantação.
Na verdade, não era receio de empobrecer, e sim, um terror parecido com
o que os homens apaixonados sentem quando percebem que estão perdendo
a mulher amada.
E lá ia Seu José, em mangas de camisa, fazendo de conta que não
sentia frio, para assim, tentar enganar o clima, ludibriar o destino e afastar
o Diabo Negro.
Ao entardecer, ele se debruçava na janela e ficava olhando os sinais
do tempo.
Quando a primeira estrela aparecia, mostrando um céu deslumbrante e limpo,
ele se recolhia à cama, pois entendia que muitas estrelas nas noites
frias eram indícios de mau agouro.
E a cada amanhecer, um suspiro de alívio quando percebia que o café
estava vivo e verde, como só um pé de café sabe ser.
Dia após dia, noite após noite, ele fazia os mesmos gestos e as
mesmas perguntas, ao tempo e à esposa:
- Hoje está mais quente, não está?
E Dona Maria concordava, baixando os olhos para não encarar o medo do
marido.
Sentia medo também, porque não podia imaginar a vida sem José,
sem a casa simples, as roseiras, a cozinha e a paz que tudo isso proporcionava
a eles.
Sabia ser inútil, mas, mesmo assim, pedia a ele que colocasse um casaco,
ao que ele respondia:
- Mas, mulher, você mesma acabou de dizer que hoje está mais quente.
Não há necessidade de agasalho.
E lá ia Seu José percorrer seu cafezal, enquanto Dona Maria voltava
para perto do fogão, que era o único lugar quente do mês
de julho.
De noite, depois que Seu José adormecia, tiritando de frio, a esposa
colocava cobertores sobre ele e neste momento, ela pedia a Deus para que seu
marido fosse capaz de suportar a perda do ouro verde, que era um fato quase
consumado.
Ela escutara no rádio que as geadas seriam terríveis.
Dormiu abraçada ao esposo, na tentativa de passar-lhe coragem e calor,
mesmo sabendo que ele sonhava sempre com o café e jamais com ela.
Quando os primeiros raios de sol entraram sorrateiros pelas frestas da janela,
Dona Maria percebeu que Seu José já havia saído e algo
dentro dela gritou para que corresse em direção ao cafezal.
Vestiu-se rapidamente e ao abrir a porta, percebeu a tragédia em toda
a sua extensão.
Tudo estava coberto por uma camada fina de gelo.
Correu o mais que a sua velhice lhe permitiu e com a respiração
entrecortada pela idade e pelo frio, alcançou o ouro verde, o marido
caído no chão lamacento, a morte e a dor.
Seu José estava deitado sob um pé de café e pela primeira
vez, por livre vontade, cobrira a si mesmo e a pequena árvore com uma
grossa manta de lã.
Morreu no colo da sua grande paixão.