A Garganta da Serpente
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Escultura de Carne

(Victor Schweitzer Cavalieri)

Triste fim deste dia onde eu vejo os passos daquele rapaz indo tropeçando por sobre as folhas deste grande jardim. Torso nu, se permanecer parado um mimetismo grandioso o fará em estátua romana próximo ao chafariz. Mas há um fluxo, sangue correndo pelas veias, ondas do mar a bater sem fim nas tristes areias destroçadas em tempos remotos.

Uma saudade imensa deve penetrar-lhe todo, destruir qualquer momento de felicidade que se esboce em qualquer parte próxima. Triste fim deste dia onde eu não desejo ver mais nada. Olhos cansados, pés cansados, peito cansado de tanto bater por nada. Bate, bate... não vou abrir mais esta porta. Quando chegarem, meu corpo estará petrificado de amargura, de dor, de não viver... Pois o que adianta se meus pés não tocam o fundo do lago circundado de grandes árvores antigas.

Vou ao jardim ou ficarei a definhar dentro da minha própria capa de pele. Meus olhos, que profundidade em torno dos meus olhos... Um poço de tristeza que emana do fundo de algum lugar... Mas estão estéreis de lágrimas. Insensíveis. Não produzem mais nada além destas áridas visões sobre o mundo e sobre as mentes...

O rapaz continua andando sobre o jardim. Se parar, grandes raízes se formarão a partir dos pés, mesmo calçados, desprotegidos. Uma grande copa de frutos vermelhos deve brotar se essas raízes decidirem estuprar a carne. Mas há um movimento sempre. Não pode parar.

Então um grande sono de dor e solidão se aproxima da minha noite. Escuridão. O rapaz foi engolido pelo escuro das sombras no jardim. Há um fluxo, um movimento, um barulho que parece ser de aves selvagens da pré-história. Estridentes gemidos. Tímidos sussurros. Uma grande massa negra. Sem nenhuma luz.

Quando amanhecer será que estará o jardim repleto de esculturas amorfas, ou mesmo de folhas secas espalhadas pelos caminhos sinuosos e que sempre se tocam. Será que minha visão descansará, sem luz forte, só uma escuridão que me abraça. Um vento frio. Estátua de mármore. Pedestal com poeira.

Será que haverá uma árvore a mais no jardim, com uma grande copa avermelhada. Cheia de frutos venenosos, e serpentes enroladas... Um grande sono, uma solidão árida e quente...

Os pés úmidos, raízes profundas... Fios de ouro... E um pombo noturno com patas em meus ombros...

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