A Garganta da Serpente
Cobra Cordel literatura de cordel
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Filho de boto

(Alfred' Moraes)

Querem saber quem sou eu?
Lancem-me na maré cheia
Vou desencantar sereia
Na foz do Piquiarana.
Tenho coração de anfíbio,
Meu olho é olho de boto,
Minha audácia é de tralhoto,
Minha raça, aquariana.

Querem saber quem sou eu?
Lancem-me na maré baixa
Dê-me um gole de cachaça,
Encoraja-me no assédio.
Sou freqüentador de festa,
Som de merengue me excita,
Adoro moça bonita,
Mas, alho, nem pra remédio.

Querem saber quem eu sou,
Lancem-me nas águas calmas
Quero me livrar dos traumas
Que trago por muitos anos
Mesmo filho de um mutante,
Sou real, não sou falsário,
Mas, vivo no imaginário,
De meus parentes humanos.

Querem saber quem sou eu?
Lancem-me nas águas frias
Por essas matas baldias.
Onde habita o "puraqué".
Nos igarapés soturnos
Já montei em cobra grande
E por onde quer que eu ande.
Meu tapete é um mururé.

Querem saber quem sou eu?
Lancem-me na pororoca,
Na folha da sororoca
Vou deslizar no banzeiro.
Sou dançador de remanso
Aprendi com a Anaconda
Bailar na crista da onda
Em pé no miritizeiro.

Vou confessar quem sou eu
No tempo que ainda resta
Não sou filho da floresta,
Nasci no meio das águas
Em noite de Lua Cheia.
Minha mãe ficou gestante
Do boto mais importante
Que viveu por estas plagas.

Sou, então, filho de boto
Natural de Amazônia
Quem me conhece, nem sonha,
Que o meu pai era um cetáceo
Garanhão de igarapé.
Quem sabe por isso mesmo
Vagando, no mundo, a esmo,
Sempre atrás de uma mulher.

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