A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Alonso Alvarez Lopes

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- Alonso Alvarez Lopes -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Brasileiro, casado, 06/06/1956

ATIVIDADES PROFISSIONAIS Webmaster, criação e administração do site artepaubrasil virtual: www.paubrasil.com.br Editoração: livros (capa e diagramação)

PRÊMIOS Prêmio Jabuti, 1991, melhor produção editorial, com a coleção ptyx. Prêmio Classic de Artes Gráficas, 1990, com a coleção ptyx. Vencedor dos II e III Encontro Brasileiro de Haikai, 1987 e 1988, da fundação Aliança Cultural Brasil-Japão.

PUBLICAÇÕES Hé - Haikais, com Camila Jabur, poesia - 1991. A lua no cinema, com Paulo Leminski, infantil - ilustração. Antologias: 100 haicaístas brasileiros, ed. Aliança Cultural Brasil- Japão, 1990. Antologia do haicai latino-americano, ed. Aliança Cultural Brasil-Japão, 1993. Antologia da nova poesia brasileira, ed. Hipocampo, org. Olga Savary, 1992. Intimidades transvistas, ed. Escrituras, pinturas de Valdir Rocha, 1997.

EVENTOS Mostra Internacional da Poesia Visual, Centro Cultural SP, 1988. III Bienal Internacional da Poesia Visual/Experimental do México, 1990. Artes e Ofícios da Poesia, MASP, São Paulo, 1990. (organização)


Você está à frente do site artepaubrasil. O que há de mais interessante o sítio e como é administrar e ser webmaster?
Criei a artepaubrasil em 1985, inaugurando uma livraria em frente ao Centro Cultural de São Paulo. Depois outra no Bexiga, região boêmia da cidade, que só funcionava à noite. Foi ótimo até o Collor entrar no governo. Lembro-me de que, quando ainda montávamos a livraria do Bexiga, não tínhamos certeza se teríamos clientes às segundas- feiras, que seria melhor fechar nesse dia da semana. Que nada! Tivemos uma bela surpresa: a segunda era um dia ótimo (noite, no nosso caso). As pessoas gostavam de se encontrar nas segundas à noite, para conversar, contar as aventuras do final de semana, tomar chope no Café do Bexiga, e então entravam na livraria. Quando o Collor entrou no governo, a segunda no Bexiga acabou. As pessoas perderam o pique de se encontrar na segunda. Depois veio a URV, o real, o FHC, acabando com as terças, quartas, quintas, enfiando todos numa luta fatigante pela sobrevivência, e aí resolvemos fechar as livrarias.

Já que tocamos no assunto, sim, sinto o governo do FHC como uma espécie de câncer, um tumor maligno matando o Brasil. Mas o FHC é o tal nome comercial da doença, a fachada, o nome genérico da desgraça; não podemos esquecer do princípio ativo: o PFL, do ACM. Todos os dias abrimos o jornal e as manchetes revelam os estragos que estão fazendo com o nosso país, com a cultura, etc. Outro dia alguém me perguntou porque não confiava no FHC. Respondi que bastava abrir os jornais todos os dias para encontrarmos notícias de gente do PFL enfiada em todo tipo de corrupção e enriquecimento às custas do dinheiro público - então, a dúvida cruel: como é que alguém vai melhorar o nosso Brasil aliando-se com a escória que está acabando com o mesmo Brasil? É no mínimo ingenuidade esperar alguma coisa boa desse tipo de aliança.

Tenho um livro de contos, ÓDIOS (www.paubrasil.com.br/odios), na Internet, que tem como tema essa nossa "irrealidade" brasileira.

Literatura - é o que tem de mais interessante no site da artepaubrasil. A minha intenção é de ampliar a cada dia, não parar nunca. O site tenta mostrar como é ser um escritor através do escritório na primeira página. Lá, por exemplo, quando o visitante clica na lata de lixo, vai descobrir um pouco sobre as alegrias e tristezas do ofício de escritor. E encontrará muitas outras atrações literárias.

Administrar um site como o da artepaubrasil é uma felicidade. Recebo cerca de 200 e-mails por dia, reencontro amigos e clientes, vendo muitos livros - muito mais do que quando tinha as três livrarias no auge da artepaubrasil em outros tempos antes do FHC. Tenho o meu próprio canal de vendas e divulgação. São mais de 70.000 visitas por mês e agora a artepaubrasil vai estrear no UOL - assinamos duas parcerias: comercial e conteúdo, o que vai aumentar a divulgação do nosso site e oferecer melhor desempenho, pois também estaremos estreando em servidor próprio.
A Arte Pau-Brasil também é uma editora. Como foi este trajeto do papel à web? Como é ser editor? Como surgiu a coleção "Janela do Caos"?
Somos também uma pequena editora, no momento com suas atividades editoriais suspensas até terminarmos a implantação da artepaubrasil na Internet. Apesar de ter um catálogo pequeno, a artepaubrail já ganhou o Jabuti - prêmio de melhor produção editorial - coleção ptyx, e editou grandes nomes como César Vallejo, Eugen Gomringer, Borges, Mallarmé, etc. e gente nova e boa, como o Donizete Galvão. Estamos com idéia de voltar às edições ainda neste ano, com edições em papel - livro mesmo, de verdade, que se possa folhear, dobrar, riscar, sublinhar, carregar para qualquer lugar, e não necessita de bateria nem de tomada. A edições virtuais vão continuar, mas apenas como aperitivos dos livros com versão em papel ou na gaveta.

A função de editor, no Brasil dos últimos tempos, tem se confundido com a do gráfico. Acho que por causa disso que surgem tantas novas editoras. Edita-se qualquer coisa, desde que o autor pague tudo. Então o editor deixa de ser editor e vira uma espécie de "intermediário do gráfico", fazendo livros sob encomenda e, em muitos casos, a qualidade só é possível ser reconhecida na produção gráfica. Entremos numa livraria e logo encontraremos belos livros, bem produzidos, mas o conteúdo não diz nada, é fraco.

Ontem mesmo estava vendo uma entrevista com Jorge Luis Borges, feita por Thiago de Melo. O autor de Aleph, ao final da entrevista, vê com humildade alguns livros e poemas que escreveu. Alguém, que estava comigo, duvidou dessa demonstração de humildade. Comentei que Borges havia sido um grande leitor antes de se tornar um grande escritor; e quem leu Dante, Cervantes, Conrad, Stevenson, Flaubert, claro que ficaria constrangido em falar da própria obra, mesmo sendo um Borges.

Apenas um estúpido pode se achar genial nos dias de hoje. E isso ocorre com muitos novos escritores e editores. É comum encontrarmos editores e escritores que nunca leram uma linha de Machado de Assis.

A coleção "Janela do Caos" é da editora Nankin. A nossa coleção de poesia chama-se AH!, a partir de uma leitura visual do poema amor/humor, de Oswald de Andrade. E atualmente está parada no número 7, mas será retomada em breve.
Há um lugar no seu site para revistas literárias. Qual a importância destes veículos para a cultura brasileira?
Temos um lugar no site para divulgação de revistas literárias. São mais de 50, com os endereços e contatos. A revista cumpre um papel importante: mostrar o que está acontecendo na literatura. Gosto de folhear revistas literárias - descubro muitas coisas boas nelas que me ajudam a atualizar o site.
Como é fazer livros virtuais? É o fim do papel? Como encara a questão?
Como já disse, edições virtuais são aperitivos, uma amostra da obra, que poderá ou não ter uma versão em papel . É melhor ter uma edição virtual (parcial) na Internet do que manter o livro na gaveta, longe de qualquer leitor. A minha edição virtual do livro de haikais OS OLHOS DO LAGO, www.paubrasil.com.br/olhos, Internet, já teve mais de 4.000 visitas em 2 anos, e muitos e-mails. É claro que desejo, um dia, fazer uma versão em papel, e é assim que encaro a questão: livro de verdade é aquele feito de papel, encadernado, abrigado por uma capa dura.
Qual a importância de Borges, Mário de Andrade, José Paulo Paes para o ser humano que é? O que é a leitura e a literatura na formação de um homem?
Adoro alguns escritores, entre eles: Machado de Assis, Borges, Mário de Andrade, José Paulo Paes e Paulo Leminski, Valéry. Eles escreveram livros que humanizam, entretém, de bom gosto, inteligentes, criativos, instigantes, e cheios de felicidades. E assim, cercado destes autores e livros, eu cuido da artepaubrasil.

O que é a leitura e a literatura na formação de um homem? Na minha vida é a coisa mais importante: não sei viver sem o livro, sem a literatura, sem ler um poema ou um conto.

Nunca fiz vitrine com livros do Paulo Coelho - considero-o insuportável em todos sentidos, até mesmo dando uma entrevista na tv: um bobo, sem senso de ridículo. Não consigo entender como se dá tão bem. Tenho um conto tratando do tal "Universo que conspira..." no ÓDIOS; uma brincadeira com as bobagens que esse "mago" fala por aí.

Nos tempos da livraria do Bexiga, quando saiu um dos livros do Paulo Coelho, não me lembro qual, era tanta gente comprando que resolvi folhear. Não passei da décima página. A impressão que tive foi de que ele escreve costurando frases copiadas de pára-choques de caminhões (e escolhe as piores, por sinal).
"Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos." Arthur Schopenhauer antes de José Paulo Paes também dizia o mesmo. Como encara a afirmativa? Ler os bons não é se fechar para os novos?
Concordo com Schopenhauer (a frase é dele). Uma condição é não ler o ruim, porque o tempo e a energia são escassos, e também o dinheiro, principalmente no Brasil de hoje. Lembro- me de que antes do governo FHC, muitos clientes, leitores de poesia, passavam uma vez por mês na livraria e compravam vários livros, uma parte com nomes conhecidos, clássicos, e a outra com poetas novos, nomes desconhecidos. Com o real do FHC isso acabou. Agora, quando alguém tem algum dinheiro para gastar com poesia é obrigado a escolher (1) livro, e assim ninguém arrisca comprar um autor novo, desconhecido - e aí não importa se é bom ou ruim. Eu também sou obrigado a fazer o mesmo. Antes podia comprar muitos livros, agora só posso comprar um ou outro, e a compra ficou seletiva.
Quem é o escritor brasileiro? Um CD custa o mesmo preço de um livro. Por que insistem em dizer que o livro é caro?
O escritor brasileiro é um herói. Insistem em dizer que o livro é caro porque ele é caro mesmo, no Brasil. O livro é caro porque muitas editoras funcionam como "intermediárias de gráficas" - não ganham com a venda do livro e sim com a produção do livro. O livro é caro no Brasil por causa de uma série de motivos que desde que estou no mercado editorial são apontados, mas o livro, no entanto, parece cada vez mais distante de um público maior.
O que pensa sobre a matéria que saiu na Veja ridicularizando os poetas?
Não li. Não gosto desta revista. Há anos não folheio, nem sequer perco tempo para espiar a capa numa banca de jornal. Certamente deve ter sido uma daquelas matérias para provocar polêmica e aumentar as vendas. Soube também de uma outra matéria sobre o cinema, mostrando apenas lado ruim e esculhambando com o cinema brasileiro, colocando todos os projetos e cineastas num mesmo saco. Eu não leio esta revista há mais de 10 anos, nem quando estou esperando a vez num dentista ou médico.
Que fascínio os animais gatos exercem sobre você e alguns escritores em geral?
No site da artepaubrasil, no escritório do escritor, vamos encontrar um gato dormindo na poltrona. Clicando nele, o visitante entrará numa seção onde é possível encontrar um pouco da presença do gato na literatura: poemas, contos e máximas com o personagem "gato".

Tenho uma gata, a Raísa, que é a estrela da página. Os poemas são belíssimos, destaco os de Manuel Bandeira e Pablo Neruda. E descobre-se que o gato parece ser mesmo o animal de estimação preferido dos escritores. Raísa, por exemplo, passa todo o tempo aqui do lado, entre o computador e os livros. É uma companhia constante, silenciosa, fiel, mesmo que tenha que atravessar a madrugada. Só acho que não devemos exagerar no convívio com este animal, tentando transformá-lo em algo além do bicho, como vestindo-lhe roupas, etc. Outro dia fiquei contente em descobrir fotos de Borges com um gato.
Você é poeta. "Silêncio./O passeio das nuvens/E mais nenhum pio". Gosta do haicai? Fale sobre.
O haikai me aconteceu por causa de uma brincadeira. No Centro Cultural de São Paulo eram realizados, todos os anos, encontros de haikais, organizados por uma revista japonesa e pela Fundação Brasil-Japão. Certa vez, por brincadeira, inscrevi um haikai que brincava com o nome da poeta Alice Ruiz, que estava no júri:

Luz amarela no quarto dela Ali se espera que um sonho entre pela janela

Não queria concorrer oficialmente, apenas mandar o haikai para a mesa a fim de que caísse nas mãos dela, mas a organização não aceitava sem a inscrição. E ganhei o concurso. Até hoje não acho que ele seja um haikai, mas por causa dele, durante algum tempo, fiz mais haikais, pois havia ganhado o Jabuti com a produção editorial da ptyx e a gráfica me deu de presente a impressão de um livro meu. E assim, eu e Camila Jabur, minha companheira na época, começamos a criar um livrinho de haikais intitulado DIA e NOITE, que girava nas mãos do leitor, ela com 12 haikais sobre a noite e eu com 12 outros sobre o dia. Mas surgiram muitos outros haikais e Dia e Noite virou um dos quatro livrinhos de uma caixa de haikais: HÉ. 500 exemplares se esgotaram em 2 meses.

O haikai que mais gosto deste livro:

terreno baldio o poente e uma placa: vende-se
Você deve ter alguma epígrafe que o acompanha. Cite-a?
Gosto de epígrafes. Em muitos livros, que folheio, apenas as epígrafes são interessantes - a melhor parte. No meu livro ÓDIOS, a epígrafe é de Carlos Drummond: "Todos os dias a imaginação confere seus limites, e conclui que a realidade ainda é maior que ela."
Qual o papel do escritor, do editor, do homem de literatura para a sociedade?
Fazer bons livros, o que não é fácil.

(2002)

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