domésticas
I
a roupa no varal entrega ao vento
a desbragada candura dos botões
e há uma canção de luz em andamento
II
além da mesa do almoço
apaziguado
o gato nos espia
na tarde mansamente inaugurada
reaparecem
as flores do futuro
: dentro de nós o vento se anuncia
III
o vento na janela subverte
mensageiro
o quarto de dormir
nesse bailado insurreto de cortinas
nos muros perfumados do jardim
vozes breves
em contraponto de intenções minúsculas
pensa por nós o vento
e imprecatada
a lava fria da lua nos contempla
varrido o chão da noite
o tempo recrudesce em nossa cama
IV
o pássaro
no mundo de suas grades
é ele mesmo quadrado
diminuto
afeito ao vôo curto
mas rumo ao céu
desfere a desatada fantasia
de seu canto
(Adelaide Amorim)
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