A Garganta da Serpente

Alberto Augusto Miranda

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cheiro a tua orelha velha
no mais trágico e podre da janela
rente ao mistério

o clarão adversativo
erra pelo esquecimento
acumula-se em aranha
no circo das fendas sem importância
defenestração falhada
no peitoril de onde se avista

ausência e cerco

tem búzios quanto a várzea, é
aquele pó líquido da praia crepuscular,
azeite a acender o estremor,
o bom sensorial da viuvez
em futuro, estou aqui

o barco teria tantos nomes
que o nome que teria
era mesmos que o outro
da profunda piedade de imaginar

uma tragédia revolta
neurovegetativa no século de agora

mesmo quando vens
com olhos de fotografia
artística, preto e branco

eu reparo, nas solenes tabernas,
o odalisco design de um pescado,
furo de histórias e fantasias
para pescar o tempo,
o Desconhecido, a Mão de Olhos
que puxa o lençol sobre o corpo

não tenho língua de nina para o dormiço
apenas aquela lenda-lenda
atirar-te às orelhas as vigarices ternas
do Avô, do
Saído

não, pastora,
os peixes não dão leite
dão melhor,

são arcanos das tormentas enfeitatórias
das festas de morte,

onde reza o Actor a quem não se pede
a Catarse, deixa lá
a Relação,
o documento de vigia

não roas a loucura
nenhuma paixão minha
estilhaça os olhos teus, desdémona
actuante,

o espião torce, ilude
instala o texto onde se esvai

o teu líquido melhor:
rompura, atestado?

não, a estátua vai entrando
no mar
se afoga gradual e consciente
veneração do litoral

procuro o filho na mão livre

como começar o motivo
da pesca sem desejo de pescar?

Solto ainda Amor da Barra:
navego para o buraco do regresso
Aquele,
onde reconhecem as prebendas e os titulares
e a vela ufana
parece escolher um humano destino
aquele a quem chove, apesar da casa
aquele a quem não chove, apesar da rua

no ladrilho da memória, dizer
podemos noticiar essa albarda
essa impossibildade de omitir
estie lá e disse é difícil e não sei

não dizer os repeniques
as almas que vêm nos livros e vão
suar o desespero, o Ignoto

o latim que forjou o sagrado
que é só suspeita e só suspeita
pode ser.

onde é mais fácil abdicar

um som seco, eficaz.

(Poema do livro "Dá-me Com A Noite")


(Alberto Augusto Miranda)


voltar última atualização: 18/02/2009
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