A Garganta da Serpente

Alfredo Rossetti

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A PEDRA

Estou do lado da estrada e vejo-te
afastada da civilização ocidental.
Não és a drummondiana,
empecilho, aporética.
És a da quietude, à margem humana,
senhorial.

Nunca vista em sonho a face de Eusébio de Cesaréia.
Dormes (dormes?) impoluta, quase sorrindo para mim.
Sem anistia dos meus receios,
à serviço de alguma idéia,
trago-te, como escravo dos séculos,
perguntas:

Que idade tens? Com que meios
te formaste a compreender vazios?
Como jazes quieta e em oração te untas?

Estou do outro lado da estrada
no dolorido areal, inerte e minha vida em ti fixa.
Paisagem e apego amigo.
Em teu silêncio um grito ancestral, dentro
de mim, mitifica-te no meu abrigo
de penduricalhos alucinadores.

Estou do lado da estrada e nem
o Sol te percebes, nem
o sereno te traz a coesão boêmia de dores.
Passas pelo meu instante como enigma.
Ao chão, eterna, sem vacilos,
guarda-te da elegia, se um dia fores.

Preciso desvendar-te, quando te inertizas
e me atordoas:
ventura ou destino o teu não-fluir, onde
nada deseja de ti uma ação, pensamento, história,
uma palavra sequer, fluente ou compulsiva.

Sinto que sabes que sou inteiro memória.
E por isso, me perdoas.

(2007)


(Alfredo Rossetti)


voltar última atualização: 07/04/2008
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