Merda sociológica
Fala-se do sexo, fala-se do beijo, fala-se do abraço, da saliva, do
enrosco,
do escarro, do sangue, se fala até do urinar, mas não se fala
do Defecar
- ações triviais do corpo; sentimentos (juízos), emoções.
Nestas banais ações, intercaladas de ambigüidade, o defecar
que alivia,
que contemos (dor).
O dissimulado, insosso e, até o parecer não-defecar do condicionamento,
do ponderado - mecânico.
Até no defecar se explicitam certas diferenças:
- Quem ta aí?
- Sou eu, João, tou cagando!
- O toalete, por favor.
- A porta à esquerda no corredor madame.
O cagar livre, espontâneo, corrido, batido, improvisado, repugnado -
sincero.
O cagar do esgoto a céu aberto, do cheiro habituado,
dos meninos nus, da vagina última saída.
O cagar da torneira de ouro, do assento macio,
da vagina "moral", omissa,
O cagar provocado, torturado, do choro!
E o cagar esfumaçado nos dedos do provocante.
Ver, como o defecar tem suas histórias?
Ver, como a ação mais ordinária se condiciona, se aliena,
se aceita,
se brada, se mata? Se caga!
Que digam, como já foi dito, que certas ações corpóreas,
assim como,
a merda não é digna de poesia, de contemplação,
risos; de indignação!
Digam! Vamos, digam!
Enquanto não dizem, vos digo: o cagar é dialético, é
choque, é síntese,
é também ponto de partida.
E se preferem ainda, se esconderem, se cegarem, atrás desta idiotice
do "se portar", de palavras eufemistas, ou no olhar confessor da boca
dissimulada; lamento, pois eu não, eu cago, mas também defeco
- vejo!
(Anderson Souza Oliveira)
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