SERÃO DO MENINO POBRE
Na sala da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minha meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.
Quando mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não li os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.
(Ascânio Lopes)
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