A poesia aparenta ser poesia
algo simples e patético
puramente espontâneo
pontapé natural
pastiche casual
torneira insana
escrito assaz corriqueiro
feito o olhar de uma pessoa
ou o arrôto de um deus
o poema necessita de um som estranho
e a um só tempo
uma música harmoniosa
apito de trem e sirene de navio
embalado pelo inusitado
deve ser o que não deve
um riso por dentro
uma coleção de figurinhas
o toque maldito/espiritual de Midas
coisa de outro mundo pantanoso
a luz da caverna
o açoite do demônio
tratado da demência cultural
desmonte de palavras esdrúxulas
escolhidas a dedo num dicionário
agrado singelo do coração
mesmo em verso ensebado
risco epigrafado
efeito de um gás roxo esverdeado
e de uma paixão desesperada
o poema é totalmente artificial
criado pela superficialidade da mão
pervertido pela sociedade intelectual
e colorido com a textura do verbo
nascido da sensibilidade bruta
não possui sentido real
eu amo o que eu li
sendo mais uma paródia do homem de proveta
tem de ser paragrafado e lapidado
pensado/inspirado/trabalhado
enfeitado/limpo/enfeitiçado
corrigido/impresso/digitalizado
além de toda a seda da intertextualidade
o poema tem de ser ele mesmo
dividindo a individualidade e a coletividade
disputando a originalidade a tapa
dívida líquida do acaso
acorrentado a fachada de alguém
tachado de vício de linguagem
jogado num depósito de lixo
(assis)
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