SONHO TRANSFORMISTA
A Gaspar da Silva
O giro do Ser é vário,
do Tempo ao eterno escopro.
O gozo de hoje é precário,
e foge-nos como um sopro.
Quem diz que a flor no pedúnculo
não é uma alma a cismar,
e que os brilhos do carbúnculo
não são chamas de um olhar?
A podridão é antiética;
cria os vermes e os perfumes,
e na sua treva hermética
palpitam ridentes lumes.
É uma retorta o ossuário,
em que se fabricam flores;
do humor frio de um sudário
fazem-se as tintas das cores.
É monótona a existência
antes da Dissolução;
só depois a nossa essência
paira livre na amplidão.
Ou pelo deserto lívido
vai correndo errante, errante...
ou da flor no cálix vívido
se faz perfume fragrante.
Arranquem-me a ardente túnica
da vida agitada e vã:
vejam, minha ambição única
é de ser lírio amanhã.
(Augusto de Lima)
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