A Garganta da Serpente

Calígula de Odisséia

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Uma Noite do Século

Agora é noite,
Tarde ou nunca.
Agora penso
- estar com você -
Agora eu morro, aliás,
Quase que morro.
Consome-me uma triste saudade
Quando penso que agora é sempre nunca.

Hoje é tarde
E agora talvez seja tão tarde -
Não compreendo -
Não me cabe saber ao certo
Decifrar a mensura do tempo
Em nossas "irônias" vidas.

Agora queria que sempre fosse nunca
Seu pensamento sempre -
E jamais entardecer.

Posso brincar
Com trocadilhos de palavras
Compor verso, prosa e poesia...
Afinal, que são palavras
Senão rumores ao vento!

Posso ser pássaro
E pernoitar quiróptero!
Posso ser a lousa
Ao túmulo de um epitáfio qualquer!
Posso - não devo - descrer do criador!
Posso - jamais o farei - beber do sangue de satã
E a ele vender minh'alma!
Posso, nas noites embriagantes
Orgiar entre o vinho e as indecorosas vadias
Das noites de solidão
Dos pobres de espírito, como eu!
Posso querer viver, e me consolar com a morte!
Posso de Deus ganhar a salvação!
Posso escolher o caminho da semente maldita,
Ser amaldiçoado e na miséria
Jamais ao seio sentir pulsar o gélido coração!

Porém, das palavras à morte e a vida
Não posso - não me coube o porquê -
Ter teu querer!
Não posso fazer-me ao seio teu!
Não posso atear a fibra que ao amor enlaça a dor vivente,
Tampouco, ser-lhe uma ínfima centelha de pensamento!

O que me cabe,
Senão o vinho,
E das noites palavras escritas?

Posiciono-me no tempo
Surpreendo-me com a rápida passagem das eras
Transcendo-me e me encontro:
- estou na terceira onda do juízo final!
E besta se alegra dos últimos séculos.

O que há de ser dos trovadores,
E dos poemas de amores e paixões perdidas,
Das páginas amareladas dos poemas de Pessoa,
Do inebriante vinho
E da solidão fagueira, mãe dos poetas miseráveis?

Ainda é cedo, noite
Ou já é tarde?

Palavras são dúvidas,
Questionamentos e ainda
Sabem ser respostas.

Doravante, jamais - léxico não o sou -
Serei letrado hábil a ler suas simples palavras,
Simples como a relatividade Eisnteiniana ou
A maçã de Newton.
Tão simples que o século da fera
Não as compreenderam,
Tão simples que o homo
Apenas a descobriu ao fim de sua existência.

E o que você é,
Senão simplicidade alegórica
Figura feminina de donzela
Que na tuberculose maldita de Álvares,
E nas páginas rotas de Byron
Tanto se idealizou?

Mas agora no peito
A alma descansa
Soa ao parapeito de minha varanda
Na janela lateral
Um ruído incomum:
- um pássaro que em desafino teima em cantar ao vento.

Dou-me conta da essência de minha existência
E vejo o desvio que a este poema causei.

Lembro-me da cidade santa,
Do martírio e de minha adorada mãe...
Que nas noites de febre ao meu lado sempre esteve.
Lembro-me da mocidade
E dos infelizes dias felizes
Por que não foram amigos meus
E com o tempo se foram.

Recobro-me ainda da última loucura
Afinal, antes poeta louco,
Hoje gênio.
Hoje isso mudou repentinamente
Chamam-me de louco e não sou gênio.
Sou poeta e não valho um vintém.

Depois destas elucubrações
Nem um pouco sadias
Continuo pensando que só nos sobrou do amor
A falta que ficou.
Mas, ainda vejo seu retrato desbotado
Na parede dos meus processos mentais
Que ainda continua sorrindo a mim.
E insensato, como só eu fosse ao mundo,
Naturalmente me vem uma idéia insensata
E muito assustadora.

E eu, que sou?
O verme que do invólucro consegue escapar
Ou o Judeu moribundo que não consegue sair?

Quanto à idéia assustadora:
Não sei bem ao certo se é assim...
Mas da morte nada posso esperar,
Seu amor ao seio, não posso atear.
A vida não há como evitar,
Afinal, até que foi generosa...
Quanto ao teu querer,
Deste último
Não estou bem certo,
Mas se um dia
Tiver que ser cobrado pela morte a
Pagar pelos míseros pecados que
A alma e ao espírito ateei
E se acontecer -
Tão certo quanto à eternidade da lua será minha morte,
E que seja -
Seja teu sorriso
A última imagem da minha retina.


(Calígula de Odisséia)


voltar última atualização: 16/06/2008
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