sorriso moldado pelo tempo
eu sou, quem sabe, a esfinge a proferir enigmas
que jamais serão decifrados.
a palavra maldita, de escrita torta
desafiando a folha sem pauta.
sou fragmentos de minhas visões,
a tristeza do copo a relembrar que um dia esteve cheio.
a sombra do estéril tronco da laranjeira.
a voz que engasga, o olhar que se perde,
o jasmim que se abre sob a minha janela.
sou as vísceras do corpo abandonado
às margens da estrada sem fim da loucura.
jamais serei a cura, sou a fome, a peste, a agonia.
já fui mesa vazia, mármore gelado, névoa em pleno dia.
fui, sem saber, a bandida, amaldiçoada, o estopim da ira.
carne pútrida e por vermes, inúmeras vezes me vi engolida.
fui ilusão, tempestade de final do dia.
e, hoje, quem sabe: sou boca trêmula,
olhos que anseiam por serem cegos.
sou a vingança, teu peito que arqueja.
tua dor, fastio, água do córrego que passa ao longe.
sou, quem sabe, a vala comum que te devora,
a espera que assassinou o tempo, envenenou a agonia
e hoje cospe sorrindo em tua face fria.
(Cíntia Rosângela)
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