Ninguém Ninguém
de ninguém recebo marcas
de ninguém o céu se fecha
a ninguém eu mando armas
de ninguém ninguém já era
a ninguém ninguém pertence
de ninguém chamado eu sou
por ninguém quem reconhece
jaz a flor, o vaso, a dor
de ninguém nada vem
de terra, barro, sacras feridas
a ninguém sei que está bem
tudo é assim
tudo fenece
com ninguém eu sigo e falo
amarro cordas no pescoço
canto a vida, a cruz, o fogo
com ninguém nenhuma flor
no sol cariado, no desassossego
eis que então tu apareces
és alguém que carrega um caixão
alguém que tem a fisionomia friamente lunar
e o grito cansado que dou
a ti ofereço
a ti o sou
pois a ninguém ninguém se vai
é tarde, é nórdico, é vazio
a ti, em ti eu sou o frio
peça quebrada da engrenagem
a voz, soluço - compreende-se
saem da toca os velhos medos
a janela fechada barra a vida
por ninguém eu sigo e vou
a chama fraca, minha casa
dor, ardor, a comunhão
a ninguém vós todos gritais
mais além, tarde, jamais
mas então ninguém vai nem vem
tudo está normal, tudo está bem
és alguém que limpa banheiros de hospital
alguém que lida com a sujeira das flores pretas
que coloca cimento em cima de estímulos nervosos
alguém que não é ninguém, que vaza cores
de ninguém recebo marcas
de ninguém o céu se fecha
a ninguém eu mando armas
de ninguém ninguém já era
o que éramos?
nós que nem fomos
nós que nem somos
o que éramos?
em pedras quebradas em línguas cortadas
onde ninguém circulava
éramos pó
cinzas de esquecimento
esfriamento de olhos fechados
a ninguém ninguém veio
somos buracos
sim, somos rasos buracos
nossos pulsos fatigados pedem descanso
e isso que estão parados
está tudo parado
ninguém chama meu nome
afundo numa inquietação inebriante
fico bêbado de idéias
de derrotas conceituais
de abstrações
sou alguém num contínuo e taciturno ataque histérico
e não há mais ninguém nesta casa velha
mais ninguém neste temporal sem céu
mais ninguém em qualquer lugar
de ninguém recebo marcas
de ninguém o céu se fecha
a ninguém eu mando armas
de ninguém
ninguém
já era
(12/05/03)
(Daniel P.R.)
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