A Garganta da Serpente

Durgadasi

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Impelidos

Não ti peço para vires porque tu todo estás
Das tuas proscritas voltas influem-me insônias
Uma sensação acuada de vácuos padeceres

E o olhar soturno em uma procissão pagã
Caprichosamente não arrependida

Refazem os insultos dos berços mal nascidos
Praticando quietação de prosa descalça
Sentido em verso e carmim semblante

Porque é assim, os arlequins não explicam
Pairam como a metade do desejo
Nos gumes do direito e do erro
Eventuais à gênese e ao pacto de um perdão parco

Já não favorece a pena do silêncio
Reagir e espelhar à prova evidente
Numa tão singular nota de relevo e fortuna

Ao invés, me pré-ocupo do suceder sinuoso dos coros desalmados
Das esfinges mentais
Da demasia dos narcisos imedidos de aquário

Já deixei que tu ti fostes tantas partidas
Que a geometria de uma linha aqui
Não seria mais despedida

E do sonho regrides contínuo ao meu plexo
Onde tudo é compreendido e difícil
Porque ti defines para mim como plástica cruz
Minha pena oeste e derradeira

E, do que interina ainda repito
O alento me torna solúvel a um só mar de faltas
Vívidas em cismar com aprendizados que quase não ensinam

Dessa forma brinco é de ter um emprego
Uma profissão, um nome, um endereço
Um romance travesso

Pois na pauta a que me imagino
O que existe é a magnésia de uma realeza
O trono esdrúxulo de uma latrina cheirando a vaselina
Uma efemeridade
Um nada inconteste

E todos na câmara são assim
Imperativamente quiméricos e fidalgos
Fazem corte de nunca ficar e se lembrar

Aí me distraio do que adio e divido
Rubrico canhotos
Tenho sede de cor e comida
Nas fraturas trocadilhas de um destino estriônico e pálido

Sinto mais do que pode ser sentido
Às vezes adoeço de muito esperar ...

À terra que me teve humana e poeta
Com a sorte próxima de me suster
Sob os elos de uma aliança etérea
Povoada de metáforas e mistérios

E me entristeço meio tonta
Debruçada à graça e ao grito ferrugíneo
Das pinturas e dos piquetes
Ignorante ao toque da trombeta núncia

Resta que os que passeiam, passam
Polidos cumprem vicissitudes
Gorjeiam sortes entre galhos e gaiolas loucas

Incapazes de argüir com vigor
Os ladrilhos da velha idade
Alguns deixam de brincar e ser contentes

Nesta rota, meu amo e senhor, eu me encontro
Tendo que apanhar com delicadezas
Os atributos de um nascimento bárbaro
Tentando esquecer todas as lições que não aprendi ainda

Fazendo abstinência de lágrimas
Terminando na casa das sensações
Como a um oásis que a mira encobre e sacia
Decifrando a arte de ser amorosa

E, constante me perco
Presa contumaz dos sentimentos e das avarias
Da imagem inconcebida de mim mesma

Saí esquecida da felicidade
Ao sabor da voracidade
Certa de emoções e avessos

Talvez isso não me baste de jeito nenhum
Talvez isso não baste a qualquer um, a ninguém
Talvez isso nunca baste

Foi neste lugar que me bateste
Teu amor, teu corpo e tua razão
Contra todo meu instável querer

Nessa penitência simbiótica rogamo-nos prorrogados e vencidos ...

Não me digas, suplico-te, não me digas
Da tua ida que se vai em refrão
Que, se não voltas, já sinto dores, querido

Deixa eu pensar que é só uma curva
Perdida em circular na chuva que corria
Telúrica e caprichosa agonia

No ínterim é possível que eu capte estacas de extremo torpor
De não desobrigar o solo desta parceria celeste e vibrante
Onde os favores hospedeiros do coração se comunicam ordenados
Em atos de mutação e translucidez

E me reconcilio desimportada e olvidada
Quando de ti recusam-se o zelo e as notícias
Da hora em que estás acompanhado
Da tua contemporaneidade afetiva
Da tua cria
De tudo o que me falas sem perfis

Possivelmente, um filho, um poema, uma dor
E, assim tão logo compreendas o meu modo de ti gostar
O aceite e considere só

Se as crianças vão além dos raptos pessoais a que se anelam seus pais
O que serão estas tuas desesperanças, afinal?
Que ajuda ser-te-ia útil e agradável nesta hora?

Preciso ti beijar
Por dentro e por fora
Por para fora meu sufoco
Ainda que ouça a criança ti chamando


(Durgadasi)


voltar última atualização: 07/04/2006
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