A Garganta da Serpente

Eduardo Martins

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O BARCO

Sonhei em construir um barco
Desses que não navegam
Nem levam embora amores.
Um barco que pudesse trazer comigo
Em cada ida,
Em cada vinda.
Que me trouxesse esperança,
Que revelasse os mistérios do mar,
Apesar de nunca ter navegado
Ele saberia e me contaria
Mas como eu o construiria?
Procurei a mim e me vi assim:
Argila, pau e pedra.
Era o suficiente para um barco?
Busquei manuais,
Li livros de aventura,
Até gibi!
Sim, era possível a construção.
Cortei madeira,
Modelei argila,
Poli pedra.
Cego construía o que seria eu:
Um barco imbatível,
Sem forma nem lugar.
Queria encontrar as crianças
Dançar no circo,
Ser um palhaço.
Queria aprender sapateado,
Fazer teatro e doce de coco,
Jogar baralho e luz,
Correr até cansar.
Ser chuva e não sol,
Mas só por um dia,
E ser 364 dias sol.
Contar histórias,
Inventar brincadeiras.
Meu barco iria fazer tudo,
Tudo isso por mim.
Seria real, não mais um sonho.
E continuava a trabalhar,
Cortei madeira,
Modelei argila,
Poli pedra.
E misturava, misturava, misturava.
Seria azul? Ou verde grená?
Talvez vermelho? Amarelo limão?
Uma caravela? Uma esquadra?
Teria timão? Teria vela?
Eu não sabia, só misturava,
E imaginava e sonhava, sonhava.
Eu me tornaria um rei?
Um pirata com medo de tubarão?
Teria uma esposa? Duas? Três?
E se eu fosse um xeique?
Quantas eu poderia ter?
Dançaria com os índios,
Montaria cavalos,
Caçaria onças.
Seria forte e grande,
Muito grande, um gigante!
E olharia tudo por cima.
Atravessaria montanhas
Em um passo de pernas.
Também seria um anão,
Entraria onde quisesse,
Dormiria entre coelhos,
Seria escorregadio como uma enguia.
E eu construía e sonhava
Sonhava, sonhava, sonhava.
O barco crescia.
Cortei madeira,
Modelei argila,
Poli pedra.
E continuei assim
Por anos, décadas, milênios.
Fui o que imaginei e fiz o que quis.
O barco crescia e eu era só sorriso.


(Eduardo Martins)


voltar última atualização: 10/07/2009
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